O Leito de Procusto - Berenice Heringer

Cada qual com seu cada qual. E cada qual se mede com sua própria medida.

O remorso é um sentimento muito indesejável. Se você se comporta mal, reconheça e faça o mea culpa. Não acalente a má ação. "Rolar na sujeira não é o melhor meio de se limpar." (Aldous Huxley, in Admirável Mundo Novo -Prefácio). A maldade deve ser reconhecida. A negação é fútil e vã. Parece que hoje existe uma espécie de religião em que os praticantes se dividem entre o culto à fertilidade e à ferocidade. Mezzo a mezzo, como recheio de pizza. No leito de Procusto em que o penitente da culpa se estende, há uma auto-tortura maníaca e um desespero suicida.. A fábula pode ter um desfecho aterrador...

O triste sintoma do fracasso, de um lado. Do outro, as manifestações hilariantes do sucesso.Cada qual prepara seu leito de tortura ou sua cama de faquir. Como a admissão da responsabilidade por nossos próprios atos é terrível, avassaladora, procura-se um encaixe do recorte que não cabe na cena, a fala fora do diálogo, as justificativas, que são confissões de erros. A Confissão, a admissibilidade de autoria do delito coloca um fim com horror a um horror sem fim...A autonomia. A nomeação de autor ou autores. Os fantoches podem, a qualquer momento, se rebelar e romper os cordões comandados pelos manipuladores.

A crença não pode basear-se no desejo, mas em razões lógicas, factuais, realísticas. O que está feito não está por fazer...A negação pretende parar o tempo, voltar ao momento do antes em que o fato não fora ainda consumado. Cazuza já dizia, em sua louca lucidez:

"O tempo não pára!"

A Verdade é grande. E o silêncio sobre ela é ainda maior. As denúncias são sempre auto-denúncias. A eloqüência ao mascarar fatos e evidências não os invalidam nem promovem uma evaporação ou pulverização dos resíduos. Pinos redondos não se encaixam em orifícios quadrados. Os sonhos não se tornam realidade. Mas os pesadelos podem ser reais.

As marcas indeléveis da infância não desaparecem. As famílias estão vivendo uma farsa. A permissividade é uma omissão de afeto. Alberto Goldin afirma: é necessária uma longa convivência para se conseguir um ódio de boa quaidade. É como veneno. Em doses mínimas não mata. Acostuma-se e imuniza-se. O fingimento contumaz é uma lástima, um constrangimento legal, consentido. A Família está acima de tudo, ouve-se por aí. E se esta família for uma porcaria? A ufania é um fracasso. São os reféns e os refestelados. Alguns se refugiam, ficam encastelados em suas cidadelas, como Hitler e seu staff nos Seis últimos dias. Reféns da insensatez naquele bunker até às derradeiras conseqüências, cada qual em seu holocausto particular e sua respectiva cama de Procusto, sob medida para cada um. Os raios da roda giram e "os pássaros simbólicos de asas matizadas da ilusão"se transformam no Corvo de Poe. E instala-se o black-out das consciências sob o impacto do aço que esmaga e das emanações que imobilizam. E a amantíssima mulher do general do Führer eutanasiou suas quatro criancinhas (ou eram seis?) com cianureto enquanto elas dormiam em seus leitos. Os beliches e berços viram ataúdes... Terrorífica cena. VV, 10/maio/2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 14/05/2008
Código do texto: T989047