Quantos antônios você tem? Maria Mal-Amada
Quantos antônios você tem?
Crônica extraída do livro Maria Mal-Amada
de Lorena de Macedo
Manhã de segunda-feira preguiçosa, sonolenta. Na fachada da padaria um aviso desagradável: fechado por luto. Seu Antônio do sonho de creme morreu de velhice. Vou me corrigir. Morreu de problemas de saúde causados pela idade avançada. Assim é mais bonito. Como se fosse possível enxergar beleza nisso tudo.
A família ficará sem o pai, o avô, o irmão... A padaria sem as mãos abençoadas e eu, sem meus sonhos de creme amarelo. Será difícil encontrar outros sonhos. Difícil lidar com a perda de sonhos tão bons...
Às vezes me pergunto o que faria se perdesse bruscamente os antônios da minha vida. Pessoas que fazem meus sonhos de creme valerem à pena. Acredito na existência de pelo menos um antônio na vida de cada um. Os mais sortudos, como eu, possuem a graça de muitos antônios e diversos tipos de sonhos.
Depois de um tempo a gente aprende que não adianta pedir para São Longuinho, pois nem mesmo 1 milhão de pulinhos será suficiente para trazer de volta o objeto das perdas mais doidas. Preciso me lembrar de não perder. Não perder a chave do carro quando estou com pressa, não perder a agenda com todos aqueles telefones importantes e que não estão escritos em nenhum outro lugar, não perder o rumo, o prumo, a virada, a caminhada...
Você conhece algum outro santo especializado em perdas? Tenho dado um trabalho danado para São Longuinho com pedidos diversos. Perco coisas idiotas em lugares inóspitos. Mas em meio a tanta confusão os pulinhos são uma ginástica e tanto. É pulando que se perde as calorias dos sonhos de creme. Será possível perder calorias e conservar os sonhos?
No extremo da minha impessoalidade eu me preocupo com calorias e sonhos de creme amarelo. Para falar a verdade, estou tentando me esquivar do assunto. Perder é cruel. Nunca mais achar é devastador. Acho que vou começar a rezar para Santo expedito, pois me disseram que ele resolve algumas causas impossíveis.
Maria Mal-Amada