O rescaldo dos livros
O RESCALDO DOS LIVROS
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 14.05.2008)
Chegam notícias de Buenos Aires. Não apenas coisas como a invasão, na madrugada de domingo passado, da sede das Mães da Praça de Maio, da Universidad Popular Madres de Plaza de Mayo e da Gráfica Madres, com arrombamento de portas, fechaduras, armários e escritórios. Os invasores das instalações revolveram tudo - e não levaram absolutamente nada. Vandalismo gratuito, intimidação ou terrorismo? Sintomaticamente, as "madres" lutam há mais de 30 anos para conhecer o paradeiro dos desaparecidos da ditadura argentina, no breve período de 1976 a 1983 (se comparado à experiência brasileira, "desenvolvida" entre 1964 e 1985), e punir os culpados. Procuram os corpos de seus filhos e exigem justiça.
Há outras novas que vêm da capital dos nossos "hermanos" do Sul. Chegam através de correio eletrônico da escritora catarinense Urda Alice Klueger e são assinadas pelo jornalista e escritor portenho Silvio Daniel Pizarro Gustavio. Escrevendo na manhã de sábado, dia 10 de maio, Pizarro nos dá seu testemunho:
"Aqui a Feira Internacional do Livro está bombando. Fui ontem com meus alunos (sou professor de português numa escola bela e simples) que ficaram fascinados com tanto livro. É a edição 34, e está simplesmente um show. Temos rádios grandes entrevistando gente importante, escritores novos e populares. As televisões filmando tudo. Oficinas multimediáticas, sempre partindo dos eixos temáticos: Livros e Cultura."
Lá, como aqui, nem tudo são flores, porém. Reclama ele:
"Devo fazer uma queixa: o stand da Embaixada do Brasil tem muito bom material e não está caro, o problema é que está desfalcado de pessoal: duas meninas para atender uma maré de gente, tarda-se tanto que o pessoal desiste de comprar ou de consultar algum tema."
No mesmo sábado, encerrava-se na capital dos catarinenses outra feira do livro, a qual começou com um mestre de cerimônias entusiasmado e desejoso de discursar e inflamar o brio dos presentes. Falou, de improviso, um bocado. Concluiu a solenidade oficial de abertura, à qual faltou o patrono da feira, que nem mesmo se fez representar, confiando na certeza de que "todos sairemos daqui embutidos (sic) da importância dos livros para o aprimoramento cultural". Em seguida, para terminar, confessava sua convicção de que "todos aqui vamos divulgar a feira e trabalhar para que ela seje (sic) um verdadeiro sucesso".
O "Diário Catarinense" desta segunda-feira faz um balanço do evento. O presidente da comissão organizadora supõe que Florianópolis não comporte duas feiras do livro por ano no mesmo local. "Talvez seja melhor fazer uma grande feira, bem feita, do que duas", ele admite. O reconhecimento das deficiências e dos equívocos cometidos já é um progresso - desde que as lições sejam assimiladas e gerem a necessidade de um "salto de qualidade".
Já a escolha do patrono recaiu sobre o presidente do Banco do Estado de Santa Catarina, o qual, entre convite e abertura, mudou-se para a presidência da Eletrosul(*). A justificativa é que "ele foi uma pessoa que nos deu muito incentivo e nós o prestigiamos por ter tido esse papel tão importante". Cogita-se que "esse papel tão importante" tenha sido uma folha do talão de cheques da sua conta bancária pessoal. Se assim não foi, se usou recursos de uma das duas instituições (e, quem sabe, com dedução fiscal), a homenagem não faz sentido algum.
A verdade é que agora estamos todos imbuídos (sic) da esperança de que a próxima feira do livro seja (sic) ao menos mais profissional.
(*) Do sítio da empresa na Internet: "Criada em 23 de dezembro de 1968, a Eletrosul Centrais Elétricas S.A é uma empresa do setor elétrico, subsidiária da Eletrobrás, e que atua na geração e transmissão de energia elétrica em alta e extra tensão nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul." (N. do A.)
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Pai sem Computador", novela juvenil)