Questão de a(l)titude
Minha filha contou o problema: nos preparativos para a quadrilha junina na escola, a ordem era que os meninos convidassem as colegas para formarem pares. E ela estava certa que ninguém a convidaria. Tinha lá suas razões: aos 10 anos, com 1,64 m, é a mais alta da escola. Inteira. Mais alta até do que algumas professoras.
Sei bem como é isso, de certas lembranças nunca nos livramos. Aos 13 anos, eu já media os atuais 1,70 m. Na escola, era a porta-bandeira efetiva dos desfiles de 7 de setembro. Em casa, Olívia Palito. Para a turma, Vara-Pau e nas festas, o chá-de-cadeira era inevitável. Sem falar das piadinhas infames. É bom esclarecer que ter 1,70 m naquela época era muito diferente de hoje, tempo de gigantes. E ter 1,70 m numa família de pessoas baixas incluía regras absurdas como evitar praticar esportes para não estimular o crescimento e dar tratos à bola para se destacar. Sem muitas opções, virei CDF, a versão antiga dos nerd.
Tinha a questão dos pés. Comprar sapatos 38 era tarefa para desbravador. Virei Olívia-Palito-Pé-de-Anjo. Tinha a questão da postura. Mulher alta, quando encurva-se para adequar à altura dos outros mortais, fica corcunda. Andando de cabeça baixa, é falsa humilde. Com coluna e cabeça eretas, é metida. Eu era do tipo empinado: virei Olívia-Palito-Pé-de-Anjo-Vara-Pau-CDF-Metida.
Ao entrar numa festa, todos me observavam – um tormento para a adolescente tímida. Sem convite para dançar, eu ficava sentada para não dar na vista. Só que garota alta e tímida, quando fica encalhada, imagina que todo mundo repara.
Adolescente, cheguei a desejar ardentemente a senitude: na velhice, pela reacomodação das vértebras, diminui-se até 2 cm. Mais tarde, superada a crise, tive uma juventude normal: encorpei, dancei, namorei, casei. Tudo é questão de perspectiva: para o marido de 1,86 m, virei Baixinha. Suspeito que a indústria tem acrescido hormônio de crescimento e fermento no leite, danoninho, chocolates e biscoitos há décadas. Êta juventude alta! Com exceção da caçula, todos em casa são mais altos que eu. A diferença é que não ganharam apelidos, praticam esportes e compram calçados número 40 sem dificuldade.
Preocupada com o destino solitário da menina na dança junina, aconselhei-me com as bases. As filhas mais velhas, experientes, acharam que estávamos fazendo tempestade em copo dágua:
- É só escolher o menino com quem você quer dançar e convidá-lo, ora!
Foi assim que a menina conseguiu seu par. Salva pela independência e auto-confiança femininas do século XXI.
Respiro, aliviada. Posso enfim me dedicar à minha mais recente preocupação: evitar o crescimento em largura. Nada que uma dieta equilibrada, corrida cinco vezes por semana e um bom transplante de cérebro para dar cabo de tanta insegurança não consigam resolver.