A Sapoti: 80 anos



     1. Um cronista social terá dificuldades para escrever, com a perfeição desejada, uma página de esporte. Um colunista de economia não escreverá com facilidade uma página de polícia.
Um repórter de polícia não redigirá, a contento, uma coluna de política. O esperado é que cada macaco fique no seu galho.
     2. Pode acontecer que alguém comece escrevendo, por exemplo, a coluna de polícia - uma excelente escola de jornalismo - e, com o tempo, chegue a editorialista de jornal.

     Vi isso quando, numa época já muito distante, trabalhei, como copidesque, em algumas redações.  Com que dificuldade eu exercia essa importante tarena num jornal! O computador ainda  não existia ensinando como escrever as palavras.
     3. Sobre o repórter policial, gostaria de recordar, aqui, o que sobre ele disse o inigualável Nelson Rodrigues. 

         In A Estrela do Atropelado, crônica que escreveu em fevereiro de 1968, o Anjo Pornográfico afirmou que o repórter de polícia "era a grande figura da redação" e que "estava a dois passos do patético, a dois passos do sublime".  
     4. Muito bem. Todo este nariz de cera para dizer que, raramente,  arrisco-me a escrever sobre composições, compositores e cantores. Não sou do ramo. 
     5. Limito-me a ouvir boas músicas; a aplaudir bons compositores;  e curtir cantores que concebo como excelentes, cada dia mais difícil de serem encontrados; aqui na Bahia e alhures...
      6. Há muita porcaria frequentando as chamadas "paradas de sucesso". Cantores fracos e músicas ruins. Nem eles, nem elas resistem o passar dos anos.
     7. Não é o caso de Ângela Maria, 60 anos de carreira, que hoje chega aos 80 anos de idade, vitoriosa, e sob limitados aplausos. Aplausos que deveriam ter partido de todos os recantos do país. 
     8. Não foi, porém, o que eu vi. Não houve o que eu chamaria de uma tempestade de aplausos. O rádio tocou pouco seus discos. E a TV, talvez daqui a alguns dias lhe preste alguma homenagem. Esperemos.

     9. Ouço Angela Maria, desde que ouvi a primeira emissora de rádio. Faz muito anos! 
     Lá no sertão do Ceará, na década de 1940, meu pai comprou um Crosley, que só funcionava com a ajuda da luz elétrica. 
     10. Como  na minha cidade só se tinha energia de seis da tarde às dez da noite, era nesse espaço de tempo que o nosso rádio - um luxo! - funcionava.

     11. Menina pobre, nascida em uma pequena cidade fluminense, Ângela Maria (nome artístico)  nasceu no dia 13 de maio de 1928. Seu nome de batismo é Abelim Maria da Cunha.
     12. No passado, era comum as cantoras terem um nome artístico. Nora Ney, por exemplo, chamava-se Iracema de Sousa Ferreira; Dolores Duran, Adiléia Silva da Rocha e Dalva de Oliveira, Vicentina Paula de Oliveira.
     13. Informa a crônica especializada, que Ângela, ao longo de sua brilhante carreira, gravou mais de 100 discos. E que seu principal parceiro foi outro ícone da música popular brasileira: Cauby Peixoto. 
     14. Por que Ângela Maria? Por que a Sapoti?Ângela, para driblar seus pais que não a queriam cantora. Sapoti, o apelido que ganhou de um dos seus mais ilustres fãs, o presidente Getúlio Vargas.
     15. No meu tempo de namorador, Ângela, ao lado do Nelson Gonçalves, ajudou a embalar meus mais ardentes sonhos de amor...

     As meninas daquelas eras - anos doirados do rádio - curtiam a Sapoti, suas canções, seu charme de cantora querida do povão.
     Ainda não  existim  as sofisticadas e milionárias "produtoras de ventos" operando verdadeiros milagres ao criarem, da noite pro dia, falsos "ídolos".
     16. Estou encerrando esta crônica ouvindo Ângela cantando três de seus maiores sucessos: Lábios de Mel, Vida de Bailarina e Gente Humilde.
     Faça o mesmo, meu dileto leitor. Faça o mesmo, minha querida leitora... Ela merece! Ela merece!, como dizia o Chacrinha.

 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 13/05/2008
Reeditado em 12/02/2021
Código do texto: T988130
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