E n t e n d e u ?

Aqui estou eu, novamente, falando comigo mesmo, sem me entender. Estou falando uma língua diferente? Por que não me entendo? Sou tão complicado assim? Eu mesmo que devo responder, não sei. Se eu não me entendo, como querer que os outros me entendam? Contradição. Vou inventar palavras novas para ver se eu me entendo. Olha, eu sou você, entende? Eu te conheco desde que você nasceu, se lembra? Branquelinho, pequenininho, parecia um desenho de nuvem branca, de tão branco. Este era você, que sou eu, entendeu? Você cresceu no interior, numa época em que a liberdade ainda existia. Tanta liberdade que me perdia nela. Na simplicidade do interior, cresci, e você também. Se lembra quando mudei para a capital? No início foi difícil, criança ainda, depois me acustemei, é do ser humano se adaptar. Mas as lembranças do interior são marcantes. Depois você tomou coragem, se lembra? E cedo já queria conhecer o mundo, viajou feito um cigano e conheceu quase tudo, de tudo um pouco, viu coisas lindas e coisas não tão lindas, na velocidade da luz, agora sabe, sua juventude passou num passe de mágica, mas ainda guarda a alegria daquele tempo. E mesmo sabendo que já passou, não tem mágoas, pelo contrário, quer sempre cultiva-la, mesmo em pequenos vasos de lembranças. O tempo passou mas a consciência sabe que o melhor da vida não está apenas no vigor físico, mas na sabedoria de aproveitar cada momento, viver cada minuto, bem. Está certo que você não me entende, mas não te culpo, não vou te apressar para me conhecer, temos a vida toda para que isto aconteça, mas quero te pedir uma coisa, você ainda é jovem, mesmo que digam o contrário, sua cabeça está sempre maquinando uma viagem nova, isto é bom e ruim, depende de como você prioriza, você gosta das novidades e sabe guardar o lado bom do passado, então não me venha com esta de estar estressado, de estar, como todo mundo, agitado, no corre-corre, a vida moderna, você diz, é realmente estressante, mas não me venha com esta de tomar remédio, depressão é para quem não tem nenhuma convicção, e você não é destes não, você sabe o valor das pequenas coisas, das grandes, e das médias, e o preço de tudo, e as consequências, e tudo o mais, então não me venha dizer que a vida hoje é estressante, o trânsito caótico, os horários a serem cumpridos, as obrigações, etc. Tudo isto é normal, senão você não estaria fazendo, entendeu? A opção é sua, você escolheu seu caminho. Todos estes anos tenho te acompanhado, é correria, eu sei, mas a vida é assim mesmo, o preço a ser pago pelas nossas escolhas, escolhas que foram determinadas por circunstâncias várias, mas que valeram a pena, pois no pior das hipóteses, valeu a experiência, valeu o aprendizado. Hoje, teus dois filhos, pequenos, médios, dez anos, é muita coisa, e não é, já sabem o tipo de pai que têm. Você os conquistou, com seu jeito maluco e amoroso, mas eles, como eu, ainda não te conhecem; se eu não me conheço, como vou te conhecer? É loucura mas é verdade, neste mundo, ninguém conhece ninguém. Por mais que vivamos juntos, ninguém conhece ninguém. É, eu sei, o tempo passa rápido, principalmente se você é rápido, se você quer viver, então a vida tem dessas coisas, você não me entende, por mais que se esforce, mas eu reconheço você, no meio da mutidão, você não vai estar sozinho. Ah!, eu ia me esquecendo, parabéns pelos seus quarenta e seis anos de vida. E que vida! Apenas tenha cuidado para não se atrapalhar com a correria, no mais, o resto, como se diz, viver vale a pena. Vale sim. Mesmo não entendendo tudo. Muito menos você.

florencio mendonça
Enviado por florencio mendonça em 13/05/2008
Código do texto: T988115
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