COISAS INCOMPREENSIVEIS

O menino ou era muito bobo ou era sabido mesmo;que chegou perto do pai com a mão no estômago:

-Eu não tenho ‘estromago” papai,tenho moela.

-Que isto meu filho – o pai indignado na poltrona – quem tem moela é galinha...

-Galo não?Galo sim.- e gargalhou – eu sou galo pai.

O pai passando de indignado.O que pode ser? O menino fazendo os braços em forma de asas e batendo,e ameaçando o canto com a cabeça pendida para cima,o olhar que se abre para a lâmpada acesa;e vai abrindo o bico no cocorico do galo.

O pai se sente um verme diante da não-compreensão daquele fato.

A mãe numa calma que vem da cozinha,anuncia o jantar pronto:

-Galinha,hoje se come galinha de novo – parece protesto – todo dia se come galinha.

(...).

A professora escreve no quadro-negro que é verde:pedra.

-Preda – diz o aluno.

Ri desengonçada,os outros murmuram risinhos tímidos.

-Preda – insiste o aluno forte.

-É pedra,Pedrinho –aconselhou a professora tão meiga.

-Não é Pedrinho é Predrinho,professora.E não é pedra é preda mesmo.

(...).

-Fica pastorando o leite se não sobe.

-Pode deixar...

Foi cantando Celly Campello e fazendo o trejeitinho.no que voltou,embasbe diante da calma da outra ante ao leite que entornava da vasilha no fogo.Desligou protestando:

-Você não está vendo?...

-O que? O leite está descendo.

(...).

Antes de fechar a porta disse ao interior da casa,abafado e escuro,como num segredo:

-Eu vou sair porque é preciso,mas eu não demoro.Você não fica só por muito tempo.

Na rua : a casa na cabeça,dentro do pensamento ( que não se confunda),mas sem os móveis;apenas a casa em si.Como se ela fosse oca,como se ela sempre fosse oca.

E a rua : carros,sinais de trânsito num tempo calculado,prédios imensos que de baixo para cima pareciam cada vez mais pequenos.Será que se cabia lá dentro?Não se podia ver lá dentro.Dava tontura e desejo olhar para cima.Procurava o ser microscópio que vivia lá dentro.

Sentiu-se engolida pelo enorme edifício ao barafustar-se nele.E no elevador era como se fosse uma bactéria ou germe que andasse nas veias.Sorriu,sem perceber, e sorriu da situação que lhe dava calafrios.E olhou o botão que apertara e o indicador de cima.

A porta se abriu na sua frente e ela estava dentro do ser imenso e vivo:ao meio.Não sabia por que correu,e correu até a porta...de vidro?Sentiu um vacilo...Nas pernas ?Pesadas,sim como chumbo.Desabou no que já não tinha mais certeza do que era ou aonde estava...

As mãos se arrastando no que acreditava ser vidro,e de joelhos veio à queda molemente...

Sua casa,sua casa.Tinha que voltar...e era tarde,muito tarde.

Vendo quedar sobre si,lembrou-se o que veio fazer ali,ser esmagada...Porque era uma barata.

(...).

Olhou o globo aceso na sala : mosquitos se debatendo dentro dele.Era ínfimo mas sentiu...o desespero.

Subiu na cadeira,e tirou o globo.Os mosquitos voaram azafamados até que desapareceram.Sorriu como se acabasse de ter salvado vidas.Sentiu-se em paz com Deus e com o mundo.

Só que não soube botar o globo de volta.A lâmpada pobre e só no teto central da sala.

Voltou para o sofá,e depôs o globo na mesinha do telefone ao lado;emborcado – para não acontecer mais acidentes.

Refestelou-se no sofá completamente e absorveu,de olhos semicerrados,a sensação de bem-estar,agradável conforto de vida...

Sentiu uma picada no braço,e defensivamente espalmou o inseto sem piedade e nem hesitar.

(...).

Fritou rodelas de cebola na frigideira e voltou para a varanda na incansável espera do pai,com os irmãos e a mãe.O pai fora a cidade buscar dinheiro das compras;e na casa não havia mais nada.

Na casa era tudo espera.E por mais que demorasse não havia total aflição...

E na frigideira as rodelas de cebolas fritas comprovavam:se fosse rotina,não sobreviveriam.

E era a certeza.

Mas a Cidade é tão longe assim,mãe?

Demais...

Eles olhavam o nada onde viviam à espera.

A espera sem rotina.

(...).

Amanhecia...passarinhos alegres ciciando ao céu azul;que os raios de sol tão forte foram entrando pelas frestas da janela,que dormira aberta,e a acordaram assim na preguiça de mais um dia.

O sonho era algo dentro com muito recheio que ela mordeu e escapou,derramou no chão.

Se o sonho fosse a verdade,e a verdade fosse o sonho.E acontecia de tudo ser possível,e tudo fácil.Ela era fútil por não ter nada a fazer;assim dançava a vida nos sonhos.

A realidade tinha coisas boas que ela dificilmente,com muito custo,de vez em quando conseguia captar.

E continuava na cama,fingindo ainda dormir;lambendo o recheio que caíra no chão.

(...).

O silêncio era como uma musica instrumental:se ouvia e não se percebia.

E os silêncio era impossível de obter antes de um grito medonho.Sentava,então atrás da mesa,assistia toda classe nesta música instrumental.A professora era um maestro agora.

Satisfeita,não esperava mais nada do momento;nem que se copiasse a lição no quadro-negro verde.Ela só queria o poder que tinha.O poder de maestro que regia o concerto silencioso de respirações amenas.

Um desafino lá atrás no corpo de músicos:era uma respiração mais densa,que estava na verdade catalisando energia de todos assim conseguirem se manter:um concerto fino e instrumental.

Quase impossível como o nosso coração.Só possível na tirania de um berro maestro e poderoso.

(...).

-Desculpe mas foi engano.

-Sim foi engano – e com cara de tola – mas espera ,não desliga ainda.

-Por que?Você nem me conhece.

-Mas não acha muita coincidência?

-Sei lá...

-Da onde eu falo e com quem?

-Silvio.

-Eu sou Mariana!

-com quem na verdade você pretendia falar?

-Sabe que eu não me lembro mais.Desculpe.

-Então,agora,serve eu mesmo.

-Claro.Você não é casado é?

-Não.Sou divorciado.

-Mas tão jovem!

-Como pode saber que eu sou jovem?

Ela ouvira o riso na voz dele.

-Pela voz – então concluiu.

-Tenho meus quarenta e cinco anos já.

-Eu tenho trinta e dois,e nunca fui casada.

De repente um som longo e contínuo: tuuu....

A ligação caíra,e ela nem lembrara qual fora o número que tocara.

Más,espere o redial...

-Alô...

-É o engano de novo...

(...).

Ele entrou nervoso no consultório,e a médica precisou explicar que era médica e era preciso se o problema era lá!

Ele falou que situação como tal ele nunca vivera.Estava vermelho de pejo,e teve que abaixar as calças.

Para o problema a doutora receitou logo uma injeção.Na enfermaria,a enfermeira surpreendeu-se em já vê-lo de calças arriadas e nádegas prontas.

Podia ser no braço...

Mas se uma já vira e já saberá...o que importava o resto?

(...).

AUTOR: RODNEY DOS SANTOS ARAGÃO.

DIA 23 À MEIA-NOITE