Essa inclusão digital...!

Não sei por que os políticos acham que estão fazendo um bom trabalho quando levam o tal computador para o mundo e o fundo. Talvez porque eles fiquem "anônimos" a vida inteira e só mostrem a cara em campanha política. Ao invés de ajudar, só atrapalham. Quer ver só? Saio na rua de minha casa e não encontro mais nenhuma vizinha fofocando. Nenhumazinha. No salão de beleza também, o assunto é outro que já não a vida alheia. Ah! Achou isso bom? Porque você não descobriu a causa de tudo ainda: não se fazem mais fofocas ao vivo já que todo mundo pode escutar quem falou. A moda agora é fofocar pela internet.

E as ratas estão tão espertas, que contam as notícias com pormenores digitais – site, e-mail, comunicador instantâneo. Outro dia, vi no orkut, na página de recados, da minha vizinha:

"Sabe o Fulano da Silva?"

E em seguida:

"É, aquele do MSN do chat daquele site que passei, que mora ali na rua de baixo" (Olha isso!)

Depois:

"Pois é, esse mesmo. Entra aí no seu MSN que tenho uma bomba pra contar!"

Não estou dizendo que elas estão mais fofoqueiras que antes?! Depois desse recado, aparentemente inocente, só Deus sabe o que elas falam do pobre coitado! Ele deve estar, a essa altura, com as orelhas queimando, enquanto as linguarudas gastam as digitais dos dedos digitando a vida dele. Isso sem contar as mensagens mandadas por e-mail!

Se não bastasse o aumento exponencial de fofoqueiras internautas, também tem outras coisas não menos perigosas. Já pensou se minha mãe resolvesse puxar minha vida na internet? Meu santo Expedito das causas impossíveis! Salvai-me! Um homem de trinta anos apanhando ia ser vergonhoso. Mamãe é beata, cheia de regras, ia achar cada furo no meu curriculum vitae, até os que não existem, se brincar. Na verdade, acho que ela iria fazer mais furos em mim do que os que têm na minha ficha.

Não me conformo com isso. Não tem como conformar. Tanta coisa ruim por causa dessa inclusão digital. Certa vez, queimei minha CPU e precisava terminar um trabalho da faculdade, tive que ir a uma Lan House. Senhor, o que era aquilo! Crianças de oito anos, dez, doze, dezesseis e daí por diante! Todos sentados e vidrados em uma tela de monitor LCD. Não bastasse tudo isso, ainda havia os outros, os quais o tempo já devia ter acabado e ficavam vigiando e rondando os que ainda jogavam ou fizessem qualquer outra coisa. Comigo não foi diferente.

Sentei na cadeira em frente ao computador, coloquei meu disquete e já ia começar a digitar quando algumas sombras apareceram atrás de mim. Ignorei. As sombras iam e vinham com freqüência, talvez meu trabalho fosse desinteressante perto dos jogos nas outras telas, e nem assim eles me deixavam em paz. Continuei ignorando até que uma vozinha fina se dirigiu a mim e um dedo fino cutucava meu ombro esquerdo.

_Tio, quando tiver cabando seu tempo, o senhor me deixa jogar o restinho?

_Não sei, guri. Acho que não vai sobrar tempo. _ respondi mal-humorado.

_Mas se sobrar o senhor deixa?

_Vou pensar.

Ele saiu e foi rondar o cliente do lado. Achei que ele não fosse voltar pelas minhas palavras rudes, mas voltou. Quinze minutos depois ele voltou. Que inconveniente!

_Já pensou, tio?

_Não. E não sou seu tio. Vai brincar guri, eu to ocupado.

_Num posso, já acabou meu tempo. Mamãe só tinha um real, passa rapidinho, né?

_Só pra quem ta desocupado. Vai, vai, vai... Vai lá ver seu amiguinho jogar, eu to fazendo trabalho.

_Ah, ta. Daí o senhor deixa, né? Eu vô lá, tio. Mas eu volto ta. Cê prometeu!

Prometi?! De onde ele tirou essa idéia maluca? Esses pivetinhos de lan house, não têm jeito. Mas não deu outra: dez minutos depois ele voltou.

_Pronto, tio?

_Não! Ô moleque chato pára de me perturbar senão vou chamar o dono e você vai sair.

_Saio nada, eu venho aqui todo dia. Eles gostam de mim, ó. Já sou amigos dos caras. Se o senhor me deixar jogar quando tiver acabando seu tempo, eu vazo daqui. _propôs ele.

_Ta, ta, ta. Agora vai pra lá e me deixa terminar.

Isso se repetiu de minuto em minuto até que me dei por vencido. Não posso com esses meninos viciados! Usei apenas trinta e cinco minutos do meu tempo, depois cansei da presença dele e saí de lá emburrado com o trabalho incompleto mesmo.

Maldita inclusão digital!