Laura e Eduardo

Conheci a Laura nos meus já assustadoramente idos tempos de 2° grau. Éramos muito amigos. Nossa aproximação deu-se através de amigos comuns e por termos afinidade em diversas coisas: música, literatura, esportes, lazer (freqüentávamos a mesma praia e os mesmos points noturnos). Após o 2° grau, como é natural, nossas vidas tomaram rumos diferentes e fiquei uns bons anos sem ter notícias suas.

Há algum tempo, voltando da feira, qual não foi a minha surpresa ao ouvir chamarem o meu nome e, ao voltar-me para ver quem era, deparar-me com a Laurinha. Ela estava a mesma dos velhos tempos, parecia até que os anos não haviam se passado para ela. Quanto a mim ........ bom, isto não vem absolutamente ao caso! Mas voltando então ao que interessa, a Laurinha não estava só. Havia se casado, e estava acompanhado do marido, o Eduardo, a quem ela foi logo me apresentando. Para minha grande surpresa descobri que ela estava morando, a pouco tempo, no mesmo bairro que eu, e marcamos um encontro no seu apartamento para botar em dia as novidades. Aliás, o seu apartamento foi um lugar que passei a visitar com grande freqüência, até porque gostei do Dudu, com quem tinha lá também minhas afinidades.

Lembro-me ainda hoje do choque que tive ao ver, numa noite chuvosa, num bairro vizinho ao nosso, a Laurinha levando o “maior trato” de um sujeito num barzinho no qual eu nunca tinha ido antes, e só fôra aquela noite para me esconder da chuva. Fiquei de longe, esfregando bem os olhos, para ver se não estava sendo traído por eles. Não estava, e se alguns olhos traíram alguém naquela noite foram os dela, pois que ela não se deu conta de minha presença.

A partir daquele dia passei a viver um profundo dilema: contava ou não contava para o Dudu? Não era uma decisão nada fácil, afinal a Laurinha era minha amiga de longa data, uma pessoa realmente muito querida por mim, mas por outro lado o Dudu também era um bom camarada, um cara com quem eu às vezes jogava uma sinuquinha, batia uma pelada ..... e além do mais torcia para o mesmo time que eu. Por mais de uma vez rolei na cama sem conseguir dormir, pensando no que fazer. Uma noite dessas tive um pesadelo terrível: sonhei que havia contado tudo para ele e ele havia chorado muito, mas me prometera não fazer nada contra a Laurinha. Iria apenas deixá-la. Mas ao invés disso foi para casa e descarregou nela o revólver! No dia seguinte, impressionado com o sonho, perguntei a ele se tinha alguma arma em casa e ele, para meu alívio, disse que não.

Um dia desses, após assistirmos um filme em vídeo na casa deles, tive uma idéia brilhante. Iria aproveitar nossa mútua atração por bons filmes para tentar abrir os olhos do Dudu por vias indiretas. Quando o filme acabou, perguntei a eles:

- Vocês, por acaso, já assistiram As pontes de Madison?

- Não, respondeu a Laurinha. Acho que não, disse o Dudu.

- Mas vocês não podem deixar de ver esse filme. É um drama fantástico, (e aí eu joguei o meu veneno) o filme é a sua cara, Laurinha!

Bem, se você leitor já assistiu ao filme acima, sabe muito bem porquê eu recomendei-o ao casal com aquele estratégico comentário, mas se ainda não viu, a sugestão serve para você também (mesmo que você não se identifique com a Laurinha ou com o Dudu).

Pois o casal, passados uns dias, pegou a fita. Depois, quando me encontraram, o Dudu só teve elogios para o filme. Já a Laurinha, “vestiu a carapuça”, e pelos olhares que trocamos ela percebeu que eu sabia de algo e eu percebi que ela percebeu que eu sabia de algo. Daquele dia em diante, ela passou a me evitar, até que .... .

Estava eu sozinho em casa quando, lá pelas 9:00 hs da noite tocam a campainha. Pelo olho mágico eu vi que era ela. Abri.

- Eu andei chorando, disse ela.

- Eu percebi.

- Eu percebi que você percebeu.

- Eu percebi que você percebeu que eu percebi.

Após este significativo diálogo inicial ela se abriu comigo. O “Ricardão” a havia abandonado e ela precisava desabafar com alguém. Como eu era o único que sabia da coisa, foi a mim que ela procurou.

Vendo-a naquele estado, ofereci-lhe um vinhozinho e coloquei um bom CD a meia altura. Ela sentou-se próximo a mim e eu dei-lhe meu ombro. Enquanto ela chorava eu enxugava, com as costas da mão, as lágrimas mornas que escorriam de seus lindos olhinhos azuis, e deslizava meus dedos “por baixo dos caracóis dos seus cabelos” cheirosos, macios e encaracolados. Foi nesse momento que tomei uma importante e definitiva decisão: não contaria nada ao Dudu, afinal, ele certamente sofreria muito, coitado, e além do mais, já bastava o sofrimento de ser torcedor do Fluminense, e eu, sem sombra de dúvida, não saberia consolá-lo com a competência com que daquele dia em diante tenho, regularmente, consolado a Laurinha!