Folies à Deux...Trois, Quatre... - Berenice Heringer

Os afetos contraditórios e inconsistentes mudam muito rapidamente. O senso comum tende a relacionar afeto com emoções boas, tipo carinho, consideração, empatia. Entretanto, afeto é tudo que afeta o ser humano, independentemente de juízo de valor, bom-mau, bem-mal, certo-errado. Emoção é moção, literalmente, movimento, impulso, tudo que move. Raiva, ódio, ojeriza, são afetos. "Fulano é muito afetivo". Talvez seja uma armadilha. O sujeito pode ser um enfezado. O delírio é uma falsa crença, não compartilhada por outros, firmemente mantida, embora contrariada pela realidade social. Este tem sido o comportamento mostrado pelo signior antônio. O delírio induzido é uma alucinação causada em uma pessoa por outra, a própria "farra do boi" sugerida por estas maldigitadas linhas. No caso do signior (achei esta pérola na comédia de Shakespeare intitulada Medida por Medida) ele tem usado o mecanismo da racionalização, que não tem nada a ver com raciocínio. O raciocício correto é um silogismo. O capcioso, um sofisma, já adiantei algures. Racionalizar é um modo de se lidar com conflitos internos e externos encobrindo as verdadeiras motivações para seus próprios sentimentos, ações ou pensamentos, elaborando explicações e conclusões confortadoras ou satisfatórias, porém incorretas. É uma farsa bem montada, uma afirmação categórica visando a camuflar uma evidência.

Quando nos referimos ao afeto e ao fato de sua redução vir a ser uma moção (impulso), podemos extrapolar o sentido. Até os animais irracionais são emotivos, pois as reações são instintivas. Mas eles não são sentimentais. O sentimento é a elaboração racional da emoção.

Neste remanejamento podem ocorrer conotações morais e éticas. Bem ou Mal. Aí partimos para a listagem das Virtudes e dos Vícios, carga pesada às quais os animais não se submetem. Quando cai na malha fina da Ética, uma é-moção pode ter um sentido de des-honra, in-dignidade, des-compostura, justiça/injustiça. Mas não quero, por ora, enveredar pelo caminho da Ética. Vou ancorar meu barco inquiritório no cais da Psiquiatria e da Psicanálise. Há psicopatas, agora chamados sociopatas, em famílias bem situadas economicamente. Bem ou mal, cultural, religiosa ou socialmente. As famiglias mafiosas são unidíssimas estruturalmente. Todos obedecem aos preceitos internos. A voz do Pater é a voz de Dio. A Nonna e a Mamma são reverenciadas com enlevo. Todos vão à missa, ofertam óbolos e oferendas misericordiosas. Rezam e festejam juntos. Depois saem para matar. Um por todos, todos por um. Mosqueteiros. O mosquete comum deles é a obediência ao preceito, a submissão ao dever, a concordância à norma, tudo muito implícito e tácito. Tacitamente empunham-se as armas. Tutti per la famiglia. Há filmes de terror demais. Uma avalanche deles. Não vou ficar aqui fazendo roteiros e desenredos...

Na cumplicidade há uma assinatura de culpa. A prova de sangue são os cortes nos pulsos e o caldeamento das hemoglobinas. No globo da morte as máquinas estão em motocontinuum e concluem as curvaturas elípticas vertiginosamente. No estado mental crepuscular desempenha-se o papel até ao gran finale. Aí começa a sessão patética da negação. Aquela dificuldade do encaixe das pecinhas no quebra-cabeça. Tem de haver muita hora nesta calma, coerência na série de nãos ou de sins. Até os advérbios inflexíveis se dobram para os circunlóquios e as colocações.

A Jatobá vai tombar. Não por remorso ou culpa. Está muito arrependida de ter abandonado o curso de Direito no 3º ano. Muita raiva por cair na armadilha da brincadeira de casinha, comidinha, carrinhos de menininhos. O seu refúgio novinho no sexto andar virou um muquifo bagunçado, com montanhas de roupa suja. Agora tem de se deitar sobre um papelão e ser vizinha da Suzanne von R., perita em mènage à trois com os irmãos cravinhos. VV, 09/05/08.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 12/05/2008
Código do texto: T986080