Viagem de volta
Nesse final de semana precisei viajar para outra cidade do interior para tratar de assuntos particulares. Iria encontrar minha namorada. Programei a minha volta para o domingo á noite. Na volta e tarde da noite planejava dormir assim que me acomodasse no ônibus. Chegando a hora de ir para a rodoviária, peguei minha bagagem e me dirigi para o ônibus que me levaria de volta à minha cidade, Ribeirão Preto. Entreguei a passagem ao motorista, que prontamente me devolveu o meu tiket de embarque e fui à busca do meu lugar no veículo. O lugar era o número 21, já quase no final do ônibus. Pelo corredor de acesso passei por uma criancinha que esgoelava um senhor que embarcara num sono de estrondoso ronco, por uma velhinha com saco de papel suspeito, até encontrar o meu lugar, no corredor, pois o lugar da janela estava sendo ocupado por um velhote com uma lata de coca-cola vazia ma mão (percebi, pois a seguarava de cabeça para baixo). Educadamente cumprimentei com um cortez boa-noite, sem resposta. Consolado, acomodei-me em meu lugar. O velhote ao meu lado falava, e agora já sabendo que ele era baiano e que tinha visitado e trabalhado em todas as cidades vizinhas. Seu falar era próprio dos nordestinos. Foram os trinta segundos mais cheios de palavra que eu já ouvi. Uma seqüencia de informações desencontradas sem nenhum processo mental utilizado na construção de suas idéias fez-me lembrar de meu cansaço. Ele não parava de falar.
- Sabe, eu acho que vou descansar um pouco. Estou cansado. Foi o que falei para fazê-lo parar de falar e me deixar dormir. Não surtiu nenhum efeito, pelo menos durante os dez minutos que eu esperei que isso acontecesse.
Eu havia comprado um pacote de biscoitos de polvilho. Daqueles biscoitos que a gente come e a boca fica cheia de farofa e depois de mastigar vira uma pasta colante. Deve fazer um mal danado, mas é gostosa principalmente quando não se tem outra coisa para comer. Numa reação espontânea e rápida, sem nem precisar pensar, abri o saco e ofereci ao meu falante companheiro de poltrona. Foram os 10 segundos mais deliciosos que eu já tive, nem o barulho que ele fazia mastigando aquele biscoito imenso me perturbava. Passado todo aquele processo químico do biscoito, ele voltou a falar. Outra reação desesperada, abri totalmente o saco de biscoito e ofereci-o de novo.
- Olha, pega bastante, está muito gostoso. Ele encheu a mão de biscoitos e levou tudo para a boca, conseguiu colocar dois biscoitos de uma vez só na boca. Deliciei-me com o silêncio, que infelizmente durou pouco, mas o suficiente para fechar os olhos e relaxar tranquilamente. Quando percebi que os biscoitos estavam acabando, instintivamente, e sem pensar nos sabores da infância, entreguei o saco de biscoitos na mão dele.
- Olha, eu não vou comer mais, o senhor quer comer o que sobrou? Lógico, ele agarrou o saco sem dizer nada, levantando-o para poder ver quantos biscoitos ainda tinham no saco.
Os momentos seguintes foram de puro deleite naquele ônibus, tenho certeza que além de mim, todos à minha volta se deliciaram com o silêncio que aqueles biscoitos de polvilho estavam nos proporcionando, apesar do barulho de mastigação. O saco se fazia vazio com o passar do tempo. Um desespero começou a tomar conta de mim. Eu não podia imaginar aquele homem abrindo a boca novamente para falar da vida dele. Não que fosse desprovida de interesse, mas naquele momento minha alma pedia paz. Meus instintos fizeram-me atentar para o lado. Uma criancinha comia biscoitos de polvilho bem ao meu lado. Tentação dos deuses. Acabava de visualizar a minha salvação. Mas pegar biscoitos de uma criança? Depois de algum tempo eu já estava com o pacote cheio de biscoitos em minha mão. Aproveitei um momento de distração da menininha e da mãe, e perguntando sobre o tempo da viajem, troquei aquele tesouro repleto de soro do silêncio pelo meu pacote vazio. Adormeci como uma criança ao som do mastigar delicioso de biscoitos de polvilho e de uma discussão baixinha que acontecia perto de uma criança que havia comido todo o pacote de biscoitos do irmãozinho. Dormi tranqüilo até chegar ao meu destino, não encontrando mais aquela deliciosa companhia silenciosa que me acompanhou parte da viagem enquanto eu estava acordado.
Nesse final de semana precisei viajar para outra cidade do interior para tratar de assuntos particulares. Iria encontrar minha namorada. Programei a minha volta para o domingo á noite. Na volta e tarde da noite planejava dormir assim que me acomodasse no ônibus. Chegando a hora de ir para a rodoviária, peguei minha bagagem e me dirigi para o ônibus que me levaria de volta à minha cidade, Ribeirão Preto. Entreguei a passagem ao motorista, que prontamente me devolveu o meu tiket de embarque e fui à busca do meu lugar no veículo. O lugar era o número 21, já quase no final do ônibus. Pelo corredor de acesso passei por uma criancinha que esgoelava um senhor que embarcara num sono de estrondoso ronco, por uma velhinha com saco de papel suspeito, até encontrar o meu lugar, no corredor, pois o lugar da janela estava sendo ocupado por um velhote com uma lata de coca-cola vazia ma mão (percebi, pois a seguarava de cabeça para baixo). Educadamente cumprimentei com um cortez boa-noite, sem resposta. Consolado, acomodei-me em meu lugar. O velhote ao meu lado falava, e agora já sabendo que ele era baiano e que tinha visitado e trabalhado em todas as cidades vizinhas. Seu falar era próprio dos nordestinos. Foram os trinta segundos mais cheios de palavra que eu já ouvi. Uma seqüencia de informações desencontradas sem nenhum processo mental utilizado na construção de suas idéias fez-me lembrar de meu cansaço. Ele não parava de falar.
- Sabe, eu acho que vou descansar um pouco. Estou cansado. Foi o que falei para fazê-lo parar de falar e me deixar dormir. Não surtiu nenhum efeito, pelo menos durante os dez minutos que eu esperei que isso acontecesse.
Eu havia comprado um pacote de biscoitos de polvilho. Daqueles biscoitos que a gente come e a boca fica cheia de farofa e depois de mastigar vira uma pasta colante. Deve fazer um mal danado, mas é gostosa principalmente quando não se tem outra coisa para comer. Numa reação espontânea e rápida, sem nem precisar pensar, abri o saco e ofereci ao meu falante companheiro de poltrona. Foram os 10 segundos mais deliciosos que eu já tive, nem o barulho que ele fazia mastigando aquele biscoito imenso me perturbava. Passado todo aquele processo químico do biscoito, ele voltou a falar. Outra reação desesperada, abri totalmente o saco de biscoito e ofereci-o de novo.
- Olha, pega bastante, está muito gostoso. Ele encheu a mão de biscoitos e levou tudo para a boca, conseguiu colocar dois biscoitos de uma vez só na boca. Deliciei-me com o silêncio, que infelizmente durou pouco, mas o suficiente para fechar os olhos e relaxar tranquilamente. Quando percebi que os biscoitos estavam acabando, instintivamente, e sem pensar nos sabores da infância, entreguei o saco de biscoitos na mão dele.
- Olha, eu não vou comer mais, o senhor quer comer o que sobrou? Lógico, ele agarrou o saco sem dizer nada, levantando-o para poder ver quantos biscoitos ainda tinham no saco.
Os momentos seguintes foram de puro deleite naquele ônibus, tenho certeza que além de mim, todos à minha volta se deliciaram com o silêncio que aqueles biscoitos de polvilho estavam nos proporcionando, apesar do barulho de mastigação. O saco se fazia vazio com o passar do tempo. Um desespero começou a tomar conta de mim. Eu não podia imaginar aquele homem abrindo a boca novamente para falar da vida dele. Não que fosse desprovida de interesse, mas naquele momento minha alma pedia paz. Meus instintos fizeram-me atentar para o lado. Uma criancinha comia biscoitos de polvilho bem ao meu lado. Tentação dos deuses. Acabava de visualizar a minha salvação. Mas pegar biscoitos de uma criança? Depois de algum tempo eu já estava com o pacote cheio de biscoitos em minha mão. Aproveitei um momento de distração da menininha e da mãe, e perguntando sobre o tempo da viajem, troquei aquele tesouro repleto de soro do silêncio pelo meu pacote vazio. Adormeci como uma criança ao som do mastigar delicioso de biscoitos de polvilho e de uma discussão baixinha que acontecia perto de uma criança que havia comido todo o pacote de biscoitos do irmãozinho. Dormi tranqüilo até chegar ao meu destino, não encontrando mais aquela deliciosa companhia silenciosa que me acompanhou parte da viagem enquanto eu estava acordado.