Banho de espuma para Roberto Carlos - Memórias...
Meu pai tinha um radinho de pilhas.
Não era para ouvir futebol. Coisa que ele nunca gostou. Meu pai tem pé pequeno, parece pé de moça. E também não gosta de futebol. Mas sabe de tudo um pouco e é muito espirituoso. Sempre tem uma tirada engraçada. Com ele é melhor ficar sempre alerta.
Mas eu me lembrei de tudo isto quando estava lendo a crônica do meu amigo Wramoss “Radinho de pilha”.
Junto com o radinho de pilha do meu pai. Lembrei é claro de meu adorado pai.
Lembrei que ele levava sempre o precioso radinho para o seu trabalho. Meu pai era operador de máquinas. Fazia terraplenagem.
E algumas vezes ele me deixava pilotar sua patrola. Lembro do fato de eu sair correndo pela estrada ao encontro dele. Subia na patrola e bem audaciosa manobrava as alavancas. Ele fazia tudo sutilmente, eu pensava que estava pilotando a máquina.
Voltando para o radinho. Ele era pequeno, como podiam ser pequenos os radinhos daquela época. Quando chegava em casa meu pai colocava tudo sobra a geladeira. Óculos, carteira e radinho.
Nós tínhamos uma TV. È claro que na sala minha mãe também tinha um rádio. Mas era o de meu pai que nos fascinava. O nosso só funcionava quando estava ligado a tomada. Já o de nosso pai, podia ser transportado a todo lugar. Para ouvi-lo bastava colocar ali por perto. Enquanto que o nosso quem tinha que ficar lá por perto éramos nós. Ou então deixar a todo volume, e isto minha mãe não permitia.
Um dia meu pai chegou cansado. Deixou o radinho sobra à mesa. Foi tomar um banho e em seguida sentou-se na sala para ver o noticiário.
Eu e minha irmã passamos à mão no rádio e fomos para a varanda. Naquele tempo as casas ainda podiam ficar aberta e as crianças podiam ficar brincando nas ruas até mais tarde, e ainda longe dos olhares atentos dos pais. Não havia perigo algum. Salvo alguns casos que certamente eram alguma fatalidade de tão raros .
Nós ligamos o radinho. E para comprovar que ele realmente podia ser conduzido a todos os lugares e continuar funcionando, começamos a andar pelo pátio da casa.
O radinho estava empoeirado. Na certa o pai iria gostar muito se o devolvêssemos bem limpinho. Pensei em pegar uma flanela para realizar o trabalho. Expliquei a minha irmã que iríamos limpar o radinho. Ela adorou a idéia. Tinha na ocasião mais ou menos uns três anos. Pedi que esperasse, logo estaria voltando.
Ela ficou bem faceira, dançando ao som de Roberto Carlos.
Não demorei muito a encontrar a flanelinha, achei também o sabão em pó. Com certeza com estes apetrechos o radinho ia ficar brilhando!
Quando cheguei minha irmã estava ocupadíssima na tarefa de dar banho nos cantores.
Ela pegou a mangueira e fazia com que Roberto Carlos se afogasse. Ele contente com a faxina não parava de cantar. Não achei uma boa idéia aquela de afogar os cantores, mas como ele continuava a cantar, achei que não teria problema. Aliás fiz bem melhor, enchi uma bacia e coloquei o sabão em pó.
Jogamos o radinho lá dentro. Só que desta vez o cantor que já era outro , não gostou da espuma, pois parou de cantar.
Não adiantou resgatá-lo do banho de imersão. Nem adiantou secar e sacudir. Também não adiantou jogar ele no chão para ver se ele se reanimava. E no fim das contas também não adiantou chorar.
Se bem que o choro adiantou para evitar uma boa tunda. Apesar de que meu pai raramente usava deste artifício pra nos castigar, estávamos certas de que desta vez , o negócio ia feder para o nosso lado!
O fato é que o radinho foi para o brejo, o cantor morreu afogado. E nós ficamos sem música. O pai sem notícia lá no meio do mato, que era onde estava sempre cavoucando com suas máquinas de fazer açude.
Pois é amigo Wramoss, agora depois de ler sua crônica esclarecedora de como pode ser forte o amor de um homem por seu radinho de pilha, acho que meu pai foi mesmo muito legal em não nos encher de sopapos!!
Da próxima vez que eu for visitá-lo não posso esquecer de agradecer a ele por ter nos livrado da tunda.
Bem que merecíamos.