QUANDOS NOS TORNAMOS MÃES?


Em que momento nos tornamos mães? Quando engravidamos, parimos, amamentamos ou quando nos assustamos com a grande responsabilidade de gerar, dar a luz e educar este novo ser? E em caso de gravidez indesejada? Não, não creio que a gravidez ou a amamentação nos confira o grau quase santo de mãe. Há mulheres que nunca geraram, pariram ou amamentaram, e são mães, talvez tanto quanto ou mais que muitas que povoam este mundo com seus rebentos.

Quando me descobri grávida pela primeira vez, tomei um susto: o comprimido tomado “quando eu lembrava”, falhou, e eu já estava entrando na décima semana de gravidez. Passado o susto veio à alegria, o encantamento natural da mulher que sempre quis ser mãe diante da beleza e grandiosidade de gerar uma nova vida. E vieram às longas conversas, com o bebê no ventre, com o pai do bebê, a escolha do nome – escolhido antes mesmo de pegar o exame de confirmação –, decidido, por nós, que teria o nome do pai,  e se fosse menina, seria Clara. 

          Este é um período muito rico, cheio de sonhos, expectativa, espera e medos – e se eu não souber cuidar do bebê, e se ele cair da cama enquanto eu durmo (e ele caiu no quinto dia de vida e eu estava acordada), e se eu adormecer com ele no peito (o que acabou acontecendo muitas vezes e nada de pior nos ocorreu) e se... E se...? Eram tantas as perguntas... Tinha ainda o medo do parto.  

Tenho (o verbo continua no presente) pavor de parto normal, pode parecer estranho, vergonhoso, mas é verdade, tenho um medo inexplicável de parto natural, maior que de dentista: este, mesmo suando, tremendo, quase passando mal, eu enfrento - não supero o medo - mas vou. Já parir... Não deu mesmo. Toda noite rezava, pedindo a Nossa Senhora do Bom Parto para o menino não nascer, mamãe reclamava, dizia que era pecado, mas funcionou. 

          A criança, apesar de localizada, não nasceu, pois eu não dilatei um único centímetro, assim, mesmo contra a vontade, os médicos tiveram que me operar, e meus dois partos foram cesarianos. O segundo, os médicos nem questionaram, foi muito próximo do primeiro (apenas treze meses de diferença), e, segundo os médicos, o organismo não havia se recuperado, era mais seguro a cirurgia. Graças a Deus!

Mas, voltemos à questão. Quando nos tornamos mãe? Confesso que até hoje não sei a resposta. Às vezes eu acho que meu manual de mãe veio faltando algumas páginas. Em primeiro lugar, não me considero uma mãe exemplar, daquelas por quem um filho daria a vida (nunca parei para pensar o contrário, talvez por medo da resposta), amo meus filhos: tanto os que foram por mim gerados, como os que vieram depois, mas olho para a minha mãe (uma mulher que abriu mão de seus sonhos para nos criar – ou talvez seu maior sonho fosse ser mãe) e vejo que sou muito diferente dela.

Não tenho aquela abnegação, aquela dedicação quase que exclusiva a suas crias – que deixa o melhor pedaço da galinha para o filho –, eu não abro mão do pescoço da ave para nenhum deles; que passa à noite em claro esperando-os chegar da festa: eu durmo e acordo, não consigo ficar sentada esperando, só se tiver um bom livro para ler ou um filme que compense uma noite em claro, mas ai o motivo já seria outro.

Claro que tenho alguns sintomas bem maternais, afinal fui mãe por escolha, gosto da maternidade, apenas alguns conceitos não se adéquam ao meu jeito de ser e pensar. Por exemplo: eu acho que amor de mãe, como qualquer outro amor, deve ser construído, conquistado: por mais que eu gere, crie, alimente, dê abrigo, meu filho não é “obrigado” a gostar de mim apenas por isso. Eu preciso me fazer amar, conquistá-lo todos os dias, ser especial. 

          E é ai que entram meus questionamentos: eu não quero ser amada porque pari, mas porque me fiz especial aos olhos daqueles que gerei e trouxe ao mundo. E me pego, muitas vezes, me questionando sobre o que sente uma “mulher” ao gerar uma criança e jogá-la no lixo ou “entregá-la” à própria sorte em algum orfanato. Não consigo imaginar que sentimentos, medos, ou sei lá o que, movem o ser humano neste momento.         

E o contrário também é verdadeiro, apesar de amar meus filhos, às vezes me pergunto: eu os amaria mesmo que fossem diferentes? Mesmo que eles me magoassem? Eu seria capaz de perdoar uma grande ofensa feita por um filho? E se perdoasse seria porque ele é meu filho ou por que nunca fui capaz de guardar rancor de ninguém?

Talvez assuste ao leitor o que vou dizer, mas não me incomoda não ser lembrada no dia das mães, quer dizer, incomoda menos que se ousarem esquecer meu aniversário ou dia da mulher.  Definitivamente sou demasiadamente “anormal”.   

          Alguns leitores já devem estar com dó dos meus filhos, mas confesso que gosto de ser mãe,  a emoção de gestar, acordar à noite para amamentar, o medo diante da primeira febre, o choro da primeira vacina (mãe e filho), ajudar a dar os primeiros passos, ouvir as primeiras palavras, arrumar os cabelos, escolher o primeiro sapato, pegar no colo, enxugar as lágrimas provocadas pelo primeiro tombo de bicicleta, o primeiro dia de aula e o choro no portão da escola (meu e não deles, felizes demais com a novidade para perceberem o quanto eu estava assustada e tremia por entregá-los ao mundo desconhecido), a primeira viagem deles sozinhos, a primeira festa, a confissão do primeiro beijo, o pedido para comprar a primeira camisinha, a dor da primeira decepção amorosa, nada disso tem preço, nada paga a alegria ou a dor de viver estes momentos. 

          Meu filho, o mais velho, costuma dizer que mães são todas feitas na mesma forma: só mudam de nome e de endereço. Discordo. Continuo achando que faltam páginas em meu manual.

Sou mulher. Sempre conversei com meus filhos a respeito disso. Procuro mostrar que antes de ser sua mãe, sou uma mulher com os mesmos sonhos, desejos, incertezas, medos, esquisitices, de uma mulher normal. Que ama, sofre, chora por amor, sorri, e tem fome de viver. Não sou santa. Tenho os mesmos defeitos e limitações dos outros seres humanos, sou falível e perecível.  

          Quando pequeno, meu filho mais velho, um dia perguntou-me algo que eu não soube responder, então ele, entre admirado e decepcionado disse: “mas como a senhora não sabe, você é mãe e professora”. Pois é, das mães e professoras esperamos todas as respostas, mas nós não temos essas respostas. Somos normais. Também temos nossas perguntas sem respostas. 

 

* Quem é quem na foto: Da direita para esquerda: Antonino Netto(filho/sobrinho), Priscila (filha/sobrinha/afilhada), Saulo(filho), Eu, Daniela (filha/sobrinha/afilhada), Omar (esposo) e Omar Jr. (filho). Está faltando Camila uma filha especial que apesar  de não ter sido gerada e nem criada comigo sempre foi e será a minha menina...


          UM FELIZ E ABENÇOADO DIA A TODAS QUE, INDEPENDENTE DE TEREM PARIDO OU NÃO, SENTEM-SE MÃES... EU ACREDITO QUE AMOR DE MÃE NÃO É GESTADO NO ÚTERO, MAS NO CORAÇÃO... E ESTA É A FORMA MAIS BELA DE AMAR...

Ângela M Rodrigues O P Gurgel
Enviado por Ângela M Rodrigues O P Gurgel em 11/05/2008
Reeditado em 02/03/2009
Código do texto: T984636
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2008. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.