A ILUMINADA.
“Existem Juizes que pensam ser Deus; outros, em compensação não pensam, têm absoluta certeza disto”.
Que os Juizados Especiais vieram para agilizar a prestação jurisdicional não temos dúvidas; mas que se tornaram, na medida em que se desenvolveram, verdadeiro Poder Paralelo não temos, também, nenhuma dúvida. Pior é que, não raras vezes, este pseudo-poder ou este desejo de poder é tão incontrolável que o Magistrado que pensa que o detém acaba mesmo acreditando que é o Deus da Justiça e comete as mais incríveis barbaridades em “canetadas” dignas de figurar no “Festival Nacional de Besteirol”, obra do imortal jornalista e colunista Sergio Porto, o Stanislaw Ponte Preta.
Muitas vezes, quando se faz as coisas sem pensar nas conseqüências que elas poderão trazer a terceiros, aquilo que se perpetra, quer por arrogância, quer por incompetência, quer por maldade, quer por vaidade parece, invariavelmente, aos olhos do idealizador da “coisa” um engenho perfeito da imaginação; coisa de gênio. Um crime, por exemplo. O criminoso pensa, primeiramente, na possibilidade de cometê-lo cuidando dos detalhes para que ele se realize com perfeição; depois, na medida em que vai amadurecendo a idéia em sua mente acaba por não perceber as falhas de seu plano, e, quando pratica efetivamente o que planejou acha que o fez de modo perfeito, quando na verdade os erros saltam aos olhos.
Isto é muito bem retratado no cinema. Quantos filmes de crimes e assaltos são elaborados parecendo, no inicio, perfeitos, mas que no final são descobertos pelo excesso de confiança dos criminosos, excesso este que outra coisa não é do que a perniciosa auto-suficiência, a auto-valorização arrogante, a síndrome de Deus.
Dona Maria, mulher humilde, lavadeira, mãe de três filhos possuía um terreno que lhe fora doado por seu pai. Terreno pequeno, bem na periferia da cidade e que estava exatamente há 14 anos invadido por uma Companhia de fornecimento de Energia Elétrica que no meio do imóvel erguera um poste onde passava energia de alta tensão.
Já buscara todos os meios junto á administração da empresa que lhe prometia sempre que ia tirar o poste afim de que ela pudesse começar a construir sua casa, já que morava de aluguel. Cansada de ser iludida acabou buscando um advogado para resolver seu problema.
O causídico, verificando o absurdo da situação, aportou no Juizado Especial Cível com uma Ação para obrigar a Companhia a retirar o poste e, também, para lhe pagar os danos morais sofridos pela por ela ao longo desta via crucis. Requereu, então ao Juízo, depois de relatar todos os fatos e juntar todas as provas do ato ilícito praticado pela Empresa-Ré que esta fosse condenada a retirar o poste existente, bem como condenada ao pagamento dos danos morais pelos 14 anos que perambulou pelos corredores da Empresa de Fornecimento de Luz, perdida , enrolada.
O processo, como corria dos Juizados Especiais, foi rápido; demorou cerca de três anos apenas. Mas a decisão saiu e a Juíza determinou a retirada do poste, tão somente. Irresignado com tal decisão o advogado aviou Embargos Declaratórios para que a Magistrada reconhecesse a omissão e condenasse a Ré a pagar, também, os danos sofridos por D. Maria. Mesmo porque o pedido fora feito, as provas estavam nos autos e a ré sequer as contestara.
Mas, se tem uma coisa que Juiz nenhum agüenta é advogado requerendo reconhecimento de erro dele. Não reconhece mesmo. E foi malcriada a Juíza (com idade para ser filha do advogado). Escreveu ela: “A decisão proferida nos autos não é omissa porque na verdade a mesma formulou PEDIDOS ALTERNATIVOS na sua inicial e com o acolhimento do primeiro pedido, consistente numa obrigação de fazer, O SEGUNDO, INDENIZATÓRIO, RESTOU PREJUDICADO.”
“Basta uma leitura da exordial” – continua ela-” para dirimir qualquer dúvida... E cita o pedido do advogado na exordial que foi este: ” (...) finalmente seja o pedido julgado procedente condenando a reclamada a retirar o poste que inviabilizou o terreno da reclamada ou , em assim não querendo, seja esta obrigação transformada em perdas e danos, INCLUINDO-SE, DE QUALQUER FORMA OS DANOS MORAIS SOFRIDOS PELA RECLAMANTE”.
O advogado não soube o que pensar já que a Magistrada finalizou assim: “Creio que o reclamante (leia-se advogado) também não pode se equivocar quanto ao seu próprio requerimento, sendo no mínimo temerária a sua atitude ao pretender demonstrar QUE DISSE ALGO QUE NÃO DISSE”.
Mas quem disse algo que não disse? O advogado disse: Tira o poste ou pague o terreno. Isto é pedido alternativo. Além disso, pague, também, os danos morais sofridos pela ocupação do terreno por 14 anos. Isto não é pedido alternativo. É pedido certo e determinado.
No final, depois de mais dois anos de espera, quem disse o que disse foi o Relator da Turma de Recursos que reformou a pérola da Magistrada e mandou que Companhia de Energia Elétrica pagasse os danos morais a pobre e sofrida D. Maria. Ela ficou com R$ 6.000,00 de indenização e a MM. Juíza ficou iluminada de justiça, acho...