25 DE MARÇO

O céu estava sem nuvens, refletindo um azul límpido em meus olhos. Eu descia a rua pela contramão: o vento soprava para cima e eu o empurrava para baixo. Descida cumprida naquela manhã fria de outono. O frio, peixe fora d’água, tornava inverno a cidade das quatro estações por dia e obrigou-me a usar vestimenta de urso polar em terra de andorinhas. Foi vestido assim que encontrei a minha companheira em frente da igreja de São Bento. Ela sorria, eu não: fui intimado a visitar ás águas do rio 25 de Março, num sábado de manhã.

Do alto da ladeira Porto Geral, observei a multidão de siris, caranqueijos, peixes e tubarões. Orei aos Deuses do Olimpo e ao Frei Damião, e descemos juntos em direção a massa de som, cheiro e confusão.

Minha amada desejava comprar uma câmara fotográfica de última geração, que diziam as lendas, seria encontrada em alguma dessas galerias escuras, cheias de Yong, Chong e Joãos.

Navegar pela 25 de Março é um desafio de coordenação e paciência. Ora éramos jogados para um lado, ora nem sabíamos onde estávamos.

Depois de fugir das lulas e dos vendedores de abacaxi cortado, chegamos à galeria com nome de índio e sob a fumaça de churrascos gregos e turcos, chegamos as lojinhas onde para compreender preços e detalhes técnicos, teríamos que falar fluentemente coreano:

- Quanto custa à câmara?

- Il entothenta – respondeu o coreano.

- I beg your pardon???

Senti saudade de ouvir “la garantia soy yo”, mas continuamos nossa jornada pela terra eletrônica do sol nascente e depois de barganharmos em coreanos, árabe e javanês, achamos a máquina e o preço ideal.

- Quer comprar a vista ou no cartão? – perguntei a companheira.

- Vamos embora, compramos outro dia! – disse ela.

- O quê? Achamos o melhor preço. Não era essa a máquina que você procurava?

- Sim, mas acho que consigo um preço melhor em outro lugar.

Respirei fundo; a coreana notando que me alterei, saiu de perto. Minha esposa nem percebeu, pois falou em seguida:

- Eu vi umas bolsas numa loja do primeiro andar. Vamos lá?

Fomos lá e depois mergulhamos novamente na massa. O frio continuava a soprar inverno em São Paulo; o céu claro a evocar lembranças de verão e o abacaxi cortado, o qual não consegui mais evitar, fez ao menos valer à pena a viagem por aquele rio das compras perdidas.

Frank Oliveira

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