Onde Você Fixa
Onde Você Fixa
Onde você fixa a sua atenção é onde você fica. A frase não é minha. Faz parte de algumas, por assim dizer, escolas esotéricas. Trata-se, portanto, de um preceito espiritual. Que se prolonga, alertando, se você dá muita atenção a determinada coisa, você dá poder a ela. Seja lá o que for. De qualquer forma, quando li isso pela primeira vez, captou minha atenção.
O cineasta Michael Moore, no filme “Tiros em Columbine”, parece que já conhecia esse preceito, ao fazer a seguinte análise: o Canadá, proporcionalmente, em relação à América, tem maiores índices de armas por habitante, questões raciais de vulto e alto índice de desemprego. Mas está longe de ter os índices de criminalidade dos ianques. E na opinião do Michael Moore, isso se deve ao fato de a televisão canadense se prestar muito mais ao que aqui poderíamos comparar com a TV Cultura, ao passo que a televisão americana se esbalda em “Cidades Alertas” pelo país todo, causando assim uma histeria coletiva.
Em agosto de 1985, na cidade de São Paulo, 5 crianças morreram assassinadas. Isso saiu numa reportagem de um quarto de página, no máximo, no Estado ou na Folha. Não teve crônica, não teve um editorial a respeito. Eu e mais dois amigos, a toque de caixa, sob a égide Documentário e com o título “Temporada de Caça” (super original), fizemos um super-8 sobre os meninos. Passou na inauguração do Centro Cultural Rebouças, a platéia ficou muda, e ganhamos uma menção honrosa. Grande coisa... Mas havíamos fixado nossa atenção naquilo. (Bem como nossas emoções).
Todas as mortes se deram por armas de fogo. Dois dos meninos foram executados pelas mãos de um feirante, que usou uma espingarda calibre 12. Quem tem uma noção mínima sobre armas não precisa fazer a conta para sentir o resultado. A justificativa do feirante foi que lhe roubaram 2 melancias.
Duas citações:
1. “...e se você quiser saber onde e quando perdemos nossa leveza estou aqui para responder: quando começamos a matar crianças, e a computar as mortes num painel, deixando o dito pelo não dito.”
2.“Porque se nós, na América, chegamos ao ponto, na nossa desesperada cultura, de assassinar crianças, não importa por qual razão ou cor, não merecemos sobreviver, e provavelmente não sobreviveremos”. William Faullkner, escritor, 1956.
Sábado passado fui a uma palestra do sr X, não digo o nome por achar que não convém, uma palestra sobre “o seu lugar no mundo”, ou coisa assim. Não sei se ele é conhecido ou não. Sei que custou cinquentão, fui com uma amiga que já o conhece. Nunca vi um sujeito tão arrogante. Na hora de encerrar, ele diz exatamente assim: “ tenho tantos diplomas, falo tantas línguas, reconheço a minha arrogância e pior do que isso, tenho horror a gente burra, mas, numa escala cósmica, qual a diferença entre Albert Einstein e aquele sujeito, supostamente um asno? Numa escala cósmica, repito. E sabem qual é a diferença entre eu, com meus diplomas e o suposto asno? É que quando o asno fala: eu te amo, ele dá de dez à zero em mim”.
Ontem, voltando pra casa depois de uma reunião exaustiva, daquelas que não se chega em lugar nenhum, vi um totem, num posto de gasolina, fazendo menção à menina Isabela. Na hora lembrei dos meninos e do feirante. Lembrei da minha revolta na época e lembrei da palestra, onde o sr X também fala que tudo o que pensamos e sentimos tem um registro no éter, ou algo assim, e que o planeta está literalmente farto de tanta negatividade, porque o planeta também é um ser vivo, como foram a Isabela e os meninos.
Onde você fixa a sua atenção, pensei, quase perdendo minha estação de metrô.