Crônica Vitae

Estive pensando e cheguei à conclusão de que há dois tipos de situações na vida: aquelas que pedimos para que passem logo e aquelas que torcemos para não passar.

Lembro de como era bom chegar da escola correndo, com a mochila nas costas, e sentir o cheiro da comida de minha mãe. Aparecer encharcada na soleira da porta dizendo que a chuva pegara de surpresa no meio do caminho, quando na verdade tinha ido direto para baixo dela quando começara a pingar. Se pudesse, faria outra vez!

Ou quando fazia algo errado, colocava a culpa em alguma das outras crianças e não dava certo. Minha mãe sempre descobria e eu acabava apanhando. Ficava de mal, não falaria com ela nunca mais. Chorava a noite inteira e no dia seguinte estava tudo bem.

Gostaria de esquecer aquele sermão que levei no meio da rua. E o puxão de orelha por ter cruzado os braços para uma ordem do meu pai. Esquecer quando perdi meu primeiro cachorrinho de estimação, ou quando chorei pelo primeiro amor da minha vida (porque iria amá-lo para sempre, mesmo ele não sabendo disso e eu tendo apenas sete anos).

Jogar bola queimada na rua, com os adultos em volta morrendo de inveja. Levantar de madrugada para comer o doce que não era permitido e ser desmascarada no dia seguinte, porque acabei passando mal. A formatura da escola, com todos os amigos, pousando para as fotos com cara de quem já sabia tudo o que tinha pra aprender. Meu primeiro namorado, que não era o príncipe encantado e nem conseguira o agrado dos meus pais logo de primeira. Aquela briga, seguida de muitas outras piores ou mais fúteis. De repente, o casamento que esperei a vida inteira, mas não totalmente igual como sonhei quando era criança.

Mãozinhas pequeninas que seguravam meu dedo com tanta força, babando em toda a minha mão, fazendo-me passar noites em clara, e eu o amando cada vez mais. Mãe de primeira viagem. E agora, que era aquilo? O espelho me mostrava um rosto feliz, ligeiramente cansado, com alguns pés-de-galinha. Cabelos brancos rareando na cabeça, e eu tentando me convencer que era puro charme, quando na verdade sabia que a casa dos quarenta tinha chegado.

Então era meu filho à porta da casa (minha casa!), voltando da escola com a mochila batendo nas costas, estava todo encharcado e dizia com o ar mais inocente do mundo: “A chuva me pegou de surpresa!”...