Cartas de Salamanca - Enredado fio do destino
Salamanca encanta por sua diversidade. Em nossas salas de aula, encontramos gente de todas as nacionalidades: italianos, mexicanos, chilenos, peruanos, brasileiros... Colegas brasileiros, tenho-os, creio, de todas as regiões. Cito alguns: Hélio Milesk, gaúcho, pra lá de gente boa; José Cruz, valente Promotor Público lá do Paraná; André, baiano que se mandou para os EUA; Nivardo, cearense da 'gota serena'; Gustavo, paulistano, cabra bom...
Certo dia, Vilani preparou um café com tapioca e cuscuz - é, de vez em quando, temos que inventar certas coisas para atenuar saudades... -, pois sabia que, após as aulas, os amigos Gustavo e Nivardo, passariam em nosso apartamento para um papo de final de tarde. A conversa rolava solta e, a certa altura, cada um falando da 'válvula de escape' para aliviar a rotina de trabalhos e leituras técnicas, contei-lhes de meu hábito, já antigo, de rabiscar despretensiosas linhas. Como, por acaso, tinha um exemplar do meu Ombudsman Mossoroense, mostrei-lhes, explicando que se tratava de uma coletânea de crônicas sobre fatos e pessoas de nossa cidade, Mossoró.
Gustavo falou então que, coincidentemente, seu pai, o desembargador Mario Silveira, também possuía o mesmo hábito. E que também já havia publicado algo parecido, ou seja, um livro que retratava o cotidiano de Mogi das Cruzes, sua terra natal. Bem, não demorou muito para o nosso Ombudsman aterrissar na·terra da garoa e, em contrapartida, eu receber o simpático À sombra do Itapeti, às Margens do Tietê.
Semanas mais tarde, era o próprio jurista paulistano, em companhia de sua esposa Elaine, quem chegava por estas bandas para visitar o saudoso filho. E logo estávamos em um restaurante da Calle del Pozo Amarilho, entre um gole e outro de um bom tinto, conversando sobre literatura. Como soube da visita com certa antecedência, tomei 'providências' e já estava munido com algumas coisas que o correio havia trazido das bandas do Oeste potiguar. Entre elas, Saudades, de autoria do memorialista Francisco Rodrigues da Costa.
Como bem sugerem os chamados tempos modernos, a partir daí a amizade entre Mario e Chico fluiu pelos invisíveis fios da Internet. E, pasmem, não tardou nada para o moginiano repetir o que o outro Mário, o de Andrade, fez há cerca de sessenta anos: ir visitar as terras potiguares. Para substituir o grande Câmara Cascudo - anfitrião de Mário de Andrade, na histórica viagem -, Chico convocou Clauder Arcanjo e outros amigos de primeiríssima linha.
E saibam que esse pequeno e despretensioso grupo foi o suficiente para bem recepcionar o ilustre visitante. Mario não é daqueles que desejam 'pompas e circunstâncias'. Ao invés do ritual e dos paparicados que, via de regra, as autoridades gostam e até exigem, ele viajou quase que anonimamente, com a simplicidade que - hoje bem sabemos - lhe é peculiar.
E eu, cá de minhas bandas, com uma 'enorme ponta de inveja', ia recebendo as notícias. Chico disparava um e-mail: 'Amigo velho, hoje iremos com Mario e Elaine à Areia Branca, visitaremos uma salina e depois temos almoço com Zé Leite, na praia de Upanema'. Mais tarde, abria a caixa do correio eletrônico, e lá estava outra mensagem dando conta de um jantar oferecido por Clauder e Luzia, no qual não faltou um diversificado recital de poesia, coroado com a presença iluminada de Antonio Francisco, mossoroense que brilha na Academia Brasileira de Literatura de Cordel.
Quis o enredado fio do destino que essas amizades se tecessem. Ponte entre Mossoró e Mogi, com uma passagem por Licânia e Areia Branca. Hoje, bem sei, há mais mistérios e amizades entre o céu e a terra do que pode supor nossa mais otimista camaradagem, parafraseando Shakespeare.