Hélio
Edson Gonçalves Ferreira
Ainda sinto as pernas bambas quando me lembro do Hélio. Eu voltava do serviço, pois trabalhava em Contabilidade, com o Levi Antônio de Carvalho e o escritório era no fundo das Casas Pernambucanas, na Rua Goiás, em Divinópolis. Ao terminar o serviço,
Subia a Avenida 21 de Abril e, quando cheguei na esquina com a Rua Minas Gerais, vi um enterro dirigindo-se ao Santuário. Estaquei-me. Era um enterro com dois caixões e, subitamente, fiquei triste em imaginar a cena na casa da família. Eu não sabia o porquê!...
O dia anterior, parece-me, fora uma sexta-feira e Hélio e eu tínhamos ficado na igrejinha que havia, ao lado do Santuário de Santo Antônio, juntamente com outros garotos, jogando pingue-pongue. Estávamos na puberdade. Éramos unidos demais. Entre uma raquetada e outra, ficávamos mais unidos e ele e eu estudávamos para ser padre, naquela época. Éramos almas irmãs. Tínhamos combinado que, na próxima semana, eu passaria na casa dele e nós iríamos ao cinema. Ia passar um filme excelente!
Aquela noite... Na hora de ir embora, Hélio e eu ficamos discutindo, como sempre, amigavelmente, que deixaria o outro mais perto de casa. Mania de adolescentes. Eu levava o Hélio até a esquina da Rua Minas Gerais e, aí, depois, ele me levava até a esquina da Rua São Paulo. Acabávamos sempre na frente do Santuário rindo, rindo da nossa bobeira, inocentes e jovens como éramos. Naquela noite derradeira em que nos encontramos, ele me convidou para passear. Respondi que não. Meu pai não deixava e nem minha mãe. Também eu trabalhava e não perguntei mais nada...
Na frente do enterro, ainda vejo, iam três meninos, dois carregando tochas e um, um crucifixo enorme que nós, coroinhas usávamos. Quando perguntei de quem era o enterro, arrependi. A moça me disse que era de dois irmãos que tinham ido nadar e morreram afogados. Minhas pernas bambearam. Quase não deu para ouvir que eles se chamavam Hélio e Heli. A moça que me respondera ficou aflita. Senti vontade de vomitar, de morrer, de berrar, as lágrimas arrebentaram e, até hoje, não sei quanto tempo fiquei ali parado, vendo o mundo rodar e aquela procissão enorme do enterro feito uma cobra monstruosa se dirigindo ao Santuário e levando o meu amigo para sempre.
Até hoje, embora eu já tenha perdido tantos familiares queridos como meu pai, minha mãe, meu irmão e tantos amigos queridos, não consigo entrar no cemitério sem pensar no Hélio e no Heli que Deus, num rasgo de egoísmo, vendo a beleza dos sonhos dos dois adolescentes, não resistiu e, talvez, pensando no seu discípulo mais amado, João, também resolveu chamá-los, mais cedo, para a eternidade.
Do livro “Dois dedos de prosa... nas entrelinhas dos versos”