Pedro II: 
       o escorrego do  imperador

        A folhinha do aposentado é vermelha de ponta a ponta. Para ele, todo dia e o dia todo é feriado; todo dia é dia santo. Falo do funcionário público entre os quais me incluo, desde o século passado.
        Publicada sua aposentadoria no Diário Oficial, ele guarda o paletó, põe uma bermuda, calça um confortável chinelão, e avisa a quem interessar possa que o  - seu -expediente foi definitivamente encerrado.
         Circulando, fagueiro, no paraíso dos inativos, meus dias transformaram-se num inesgotável feriadão. 
        Mas não me rendi, de maneira incondicional, ao ócio, ainda que podendo desfrutá-lo com indiscutível honradez.  Seria o "otium cum dignitate", como diziam, com absoluta precisão, os romanos.
         Aproveito o tempo livre para fazer bons e proveitosos passeios pela Pituba, meu bairro, e pela minha cidade, a fascinante Salvador. Vez em quando, saio pelo mundo afora conhecendo novos mundos. 
        Quando a grana está curta, recorro ao computador. A internet leva-me, com um sutil clique, a locais  distantes e deslumbrantes. Assumo, então, a condição de turista virtual. 

        Faço tudo isto sem olvidar a boa leitura e deixar de escrever, todas as manhãs ou nos fins de tarde, minhas simplórias crônicas. Continuo, portanto, estudando, lendo e escrevendo.
        Ah, como gostaria que minha biografia se aproximasse da biografia do escritor baiano Afrânio Peixoto! 
        Lembra Josué Montello, que "na síntese lapidar destes dois versos", assim o mestre de Bugrinha a condensou: - "Estudou e escreveu,/ Nada mais lhe aconteceu."
        Aposentado, eis que aprendi a avaliar melhor a importância de cada feriado.  
        Cheguei a conclusão de que alguns desses feriados, a rigor, não deveriam existir .
        Não vou apontá-los; não quero ferir a sensibilidade de quem dá a vida por uma folguinha prolongada, sob o argumento, nem sempre verdadeiro, de que "ninguém é de ferro".
        Aproveitando o feriadão de 1 de maio - Atenção: logo mais vem o de Corpus Christi - escolhi, por sorteio, a Proclamação da República para, sobre esta data cívica, tecer um ligeiro e despretensioso comentário.
        Declaro, de logo, que não vejo razão para se comemorar a Proclamação, cerrando, consequentemente, as portas do país. 
        Com o barulho da minha rua  sensivelmente minorado, busquei nas páginas de a História da Liberdade no Brasil  o que diz o seu autor, o extraordinário Viriato Corrêa, em torno dessa badalada efeméride pátria.
        Um acidente - que diria lúdico - por ele narrado envolvendo Dom Pedro II, prendeu-me a atenção.  Pode até nem ser tão importante para o meu erudito leitor.
        O acidente ocorreu na noite de 9 de novembro de 1889 durante o histórico baile da Ilha Fiscal, "talvez a mais pomposa festa da História Nacional", no tempo da Monarquia.
        No assoalho, polido e molhado, Dom Pedro, mal adentrara no salão principal da festa, es-cor-re-gou! E só não foi ao chão porque um jornalista o amparou. 
        O soberano não perdeu tempo e, sorridente, sentenciou: " A Monarquia escorregou, mas não caiu."
        O que S.M. não sabia é que, no momento do escorrego imperial, no Clube Militar, sob a liderança de Benjamim Constant, "as fardas republicanas" decidiam jogar a Monarquia por terra...
        O Imperador caiu no dia 15 de novembro de 1889, ou seja, seis dias depois do famoso baile da ilha Fiscal.
        No dia 18 de novembro de 1889, a bordo do Alagoas, Dom Pedro partia para o exílio, morrendo de saudade do Brasil...
        No seu interessantíssimo romance O Baile da Despedida o saudoso escritor maranhense Josué Montello  conta como foi "o adeus à Monarquia". 
       Aconselho sua leitura.
       A Monarquia acabou. 
       A  República está aí a merecer reparos urgentes e profundos.
        Como tolerar, por exemplo, um Congresso que, entre outras aberrações que patrocina todos os dias, reivindica para os "nobres" deputados o pagamento de "auxílio funeral" num valor de aproximadamente R$17.500,00? Isso é republicano? 
        Mais parece uma calhordice. Ou,  usando (com o meu pedido de desculpas aos brasileiros) o vocabulário chulo do Presidente Lula, "uma sacanagem". 
         Por último, deixem-me fazer um desabafo: particularmente, preferia que o Brasil ainda tivesse o seu Rei.
        E batendo na mesma tecla, repito: chega de reis (e imperadores) de mentirinha que perambulam por aí robustecendo o inigualável folclore brasileiro...
       
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 07/05/2008
Reeditado em 23/01/2009
Código do texto: T979447