Ele vendeu meu primeiro livro.
 
Era cedo ainda, por volta de 9h da manhã, ela entra com pressa no escritório e, puxando a filha pela mão, vai logo pedindo:
- Me dá um livro!
Seu Ganso, não pestanejou. Levantou-se, pegou um e foi direto, todo feliz da vida, mostrar o livro.
Aquela senhora, de estatura baixa, cabelos longos e negros, corpo meio disforme, mãos grossas e mal cuidadas, falando uma linguagem meio estranha, era uma boliviana.
Aqui no bairro houve uma invasão de bolivianos nos últimos tempos. Eles têm constituição física parecida a dos povos incas.
Eu me senti um novo conquistador da Bolívia vendendo meu primeiro livro a um estrangeiro.
Dessa vez eu era um escritor que não tinha iniciado as vendas com a vizinha, nem com a melhor amiga e, minha leitora sequer era parente. Não era uma compra de favor.  Tinha vendido mesmo era para uma estranha e estrangeira. 
A nota de 20 reais ainda brilhava toda amarela na mão do Seu Ganso.
Nós demos esse apelido carinhoso ao Seu Ganso, porque descobrimos que ele é um grande criador de gansos em apto. Ele tem uma espécie rara de gansos do deserto. Nunca vêem água, exceto aquela pocinha minúscula do vaso sanitário.
Seu Ganso parece candidato político, vive dizendo que sua vida está balizada no binômio, saúde e educação. Saúde - porque disseram pra ele certa vez, que gemada de ovos de gansa de manhã é excelente pra criação do seu neto, Pedrinho. Aliás, deve funcionar, porque o moleque está crescendo bonito e saudável. Educação - diz ele, porque seu filho Saulo estuda Veterinário e, junto com a tartaruga, a gansa é objeto constante de estudos.
Enfim, creio que foi mesmo justo o apelido de Seu Ganso.
 -“Moço me dá logo o livro, tokum pressa”, dizia a minha leitora boliviana.
Olha aqui na página 243, veja que linda história de amor, do primeiro amor! - dizia o Seu Ganso.
Eu já tinha tirado a caneta vermelha de trás da orelha e já estava pronto pra tascar um autógrafo. Confesso que tinha até ensaiado uma poesia em portunhol pra agradar na dedicatória. Enfim eu estava conquistando uma parenta de Evo Morales. Imagina meu sucesso como escritor sul-americano! Só me faltaria o apoio do Hugo Chávez e seus asseclas, daí sim, faria Pablo Neruda virar no túmulo de inveja. Eu estava grande. Somado aos elogios do Seu Ganso que abrindo o livro aqui, e acolá, mostrava crônicas, poesias, enaltecendo a capa a 4 cores, miolo em papel 75g com 250pg, todo ilustrado...e eu ia só me estufando.
- “Moço me dá o livro” reafirmava quase implorando a estranha senhora.
Seu Ganso homem bom que adora dar descontos, até mesmo sem o cliente pedir, foi logo anunciando:
- “Dona, vou lhe dar 3 reais de desconto, assim na bucha, sem sequer a senhora pedir.”
A minha leitora, sequer olhou pro meu livro. Pegou-o, mostrou pra filha ao lado que o balançou algumas vezes, como se estivesse calculando o peso e falou:
“ Tabaum esse mãe, vamos embora logo, porque a festa dos bolivianos é sábado, e eu só terei hoje e amanhã pra treinar desfilar com um livro na cabeça como manda a professora de etiqueta.”
A princípio ficamos pasmos.Guardei novamente a caneta, Seu Ganso entregou o troco e, rindo muito, ficamos torcendo para a colônia de bolivianos aumentar no Brasil e descobrir nossos livros.
Augusto Servano Rodrigues
Enviado por Augusto Servano Rodrigues em 07/05/2008
Reeditado em 07/05/2008
Código do texto: T978893
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