Da Esfericidade das Bolas

Prostrados à frente da televisão, no auge de um penoso processo digestivo no calor de uma tarde de sábado, após enfrentarem com afinco uma tentadora feijoada preparada pela esposa e mãe, pai e filho assistem um programa esportivo. Quando o pai já estava quase desacordado, vê-se desperto pelo filho, a comentar, de olhos fixos na tv:

- Pai, o locutor está dizendo que eles estão jogando com uma bola!

- Ô filho, você me acordou para comentar o óbvio?

- Pois a mim não me parece óbvio que aquilo ali seja uma bola. Bola, até onde eu sei, tem que ser redonda; aquilo ali é oval. Se for assim galinha não bota ovo, bota bolinha. E se oval pode ser tomado por redondo, retangular pode ser tomado por quadrado, e por aí afora.

O pai, professor de Filosofia, instigado pela questão, observa:

- É, tá certo ......., mas talvez o conceito de bola não seja assim tão restrito quanto você o está tomando. Vai ver que, serviu para praticar esporte, quicou e rolou e sai um monte de gente disputando sua posse, é bola. Mesmo que não seja redonda. Sei lá....... pega o “Aurélio” e procura a definição.

De posse do dicionário, o filho lê:

- “bola - .....1. Qualquer corpo esférico. .......3. Artefato esférico de borracha ou de outro material, freqüentemente envolto em couro, feltro, etc, que, em geral, salta por efeito da elasticidade, e é usado em diversos esportes. ......”

- Pois é meu filho, a esfericidade é portanto parte constitutiva do ser das bolas. As bolas não são redondas por acidente; a esfericidade constitui sua própria essência, quer dizer, aquilo que se lhe for suprimido lhe suprime a própria existência. Aspectos contingentes como o material de que é feita, sua cor, seu tamanho, podem ser modificados sem alterar sua natureza, sua “bolidade”, vamos assim dizer. Do ponto de vista epistemológico, numa abordagem wittingensteiniana, poderíamos até mesmo .......

- Calma lá pai, olha a empolgação! Traduz e resume isso aí que eu não sou seu aluno não!

- Aquilo ali não é uma bola!