Feliz foi Adão. Não teve sogra nem caminhão!

Feliz foi Adão. Não teve sogra nem caminhão!

Berenice Heringer

Aposto que todo mundo está indignado com herr José Batatinhas Fritzl. Todos buscando monstros na história para fazer a comparação e o balanço. Ótimo. Porque o estudo da História é a chave de toda a sabedoria. Então, vou dar u'a mãozinha, mas sem completar a lista: Nabudonosor, Sardanapalo, Átila, Nero, Torquemada, Hitler, Ide Amin Dada, patati, patatá. Adão ficou feliz só um pouquinho. Sentia falta da costela retirada e não podia comer da maçã. Aí, levou um chute no traseiro e teve de sair do paraíso. O rei da Assíria foi quase um eunuco, glutão e licencioso, não licenciado, mas sardanapalesco. Nero, também glutão e poltrão, foi matricida e uxoricida, incendiário, mas infeliz, pois não sabia compor versos nem tocar a lira ou a harpa. Hitler, dizem que era pedófilo, coprófago, medroso e teve de tomar cianureto. Idi Amim, preto, feio, sanguinário e grosso, o terno não entrava nele. Só cabia dentro de um abadá. Então, vamos direto às atualíssimas peripécias globo-lares em mansões, ao som de valsas vienenses.

Sigmund Freud, também austríaco como Adolf Hitler e Josef Fritzl, afirmou que todos os delitos proibidos já foram cometidos. Todos os crimes bárbaros e hediondos têm sido perpetrados ao longo da história, intercalada ou progressivamente. Agora as novas leis que serão promulgadas tipificando os crimes no ciberespaço vão listar as falcatruas, maracutaias e contravenções dos internautas, todas já cometidas. O delito vem a priori. A lei, a posteriori. E a fiscalização, ou o patrulhamento, chega sempre tarde. Fecha-se a porta depois que o ladrão entrou e saiu. Só é possivel falar dessas transgressões atuais se nos apoiarmos na Psicanálise, na Psiquiatria e na História. História para identificar os rastros de sangue. Psiquiatria para a listagem dos Transtornos e Freud para adentrar no cadinho efervescente do Id, do Inconsciente e das motivações do ser humano, tendo embasamento na Antropologia e na Biologia.. O sr. Fritzl cometeu a transgressão do incesto milhões de vezes, continuadamente, um serial-trans, um usuário praticante e repetidor do ato interdito. Numa outra crônica, "Não colocar todos os Ovos num só Cesto", publicada numa antologia, relato o caso, acontecido em BH, do filho que teve seu espermatozóide fecundando o óvulo da sua própria genitora, numa fertilização inicialmente in- vitro, depois a gestação e a parição pela avó que teve um neto/ filho para a nora que não tinha útero. Ele cometeu incesto, mesmo não tendo havido intercurso, a tal de conjunção carnal. O caso tipifica um incesto, uma transgressão, ainda que consentida pelos médicos e legitimada por advogados e juízes.

As pessoas usam os recursos da biotecnologia para tirar proveito e passam por cima das interdições que visam à eugenia, ao ordenamento social e jurídico, à observância dos cânones do tabu. Quando é para levar vantagem, aprovam qualquer arranjo. Depois se horrorizam porque algum monstro transgrediu. Segundo Freud, sempre atualíssimo, não obstante a virada do milênio, aquilo que ninguém deseja não carece de proibição. Quanto mais intenso o desejo, maior e mais pesada a sanção.

Não gosto de desqualificar a vítima, inverter os papéis, procurando culpa na parte passiva, na que se submeteu à tirania e à violentação. Não podemos transformar vítimas em réus. Mas aposto que frau Rosemarie Fritzl viu, consentiu e co-agiu, mesmo que a filha desminta.

O compulsivo sexual, o legítimo Príapo em ereção contínua, um centauro ou deus Pã com pés de cabra, é o sátiro que passeia pelo bosque e violenta as ninfas e sílfides o tempo todo. Ele é o maior transgressor do universo. Agora, aos setenta e poucos aninhos, estará ele saciado, derreado no trono da sua própria luxúria? A violação nunca é pela metade. É ampla, total e irrestrita. Assim como a condenação e o castigo. Mas não haverá reparação...

Vila Velha, 1º/maio/2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 05/05/2008
Código do texto: T975798