Pascoal (Sambado 2)
Quem leu Lilica (Sambado 1), sabe que vendi a minha Brasília amarela com lágrimas nos olhos. Não sabe, e eu à época também não sabia, que as lágrimas estavam apenas começando.
Meu segundo carro foi o Pascoal, um Gol BX, dourado. O nome era uma alusão ao fato de tê-lo comprado na Páscoa, mais exatamente no sábado de aleluia. Devia tê-lo chamado de Judas e já aproveitava a cerimônia da malhação para tacar-lhe fogo naquele dia mesmo. Era para eu ter desconfiado da qualidade da minha aquisição quando o namorado que me assessorou na escolha me lembrou de completar a água do radiador. Caso você não tenha entendido a piada, O Gol BX é refrigerado a ar.
Numa viagem curta, o motor, a álcool, fundiu. Não por falta de água no radiador, claro! Aproveitei para trocar por um a gasolina, pensando que isso resolveria meus problemas. Porém, a cada temporada de repouso na oficina, aparecia uma novidade. No final já sabia que três outros carros jaziam ali no meu Frankestein automotivo. Decidida a vendê-lo e livrar-me do abacaxi, anunciei-o a preço de banana.
Um dos interessados, olhando por baixo do carro perguntou:
- O que é aquele toco ali?
Toco?? Fomos ver e havia mesmo um toco de madeira entre as ferragens. No dia seguinte, meus sogros - Sim! Meus sogros! Pascoal sobreviveu ao meu namoro com o inexpert automobilistico e acompanhou-me até o altar com meu amado esposo - levaram Pascoal até uma oficina para descobrir o objetivo do toco. Simples. Manter o motor nivelado. O mecânico fez tanto terrorismo, que minha sogra na volta não teve coragem de apoiar o bumbum no banco ou os pés no chão e veio pendurada naquela alça acima da porta, com medo do assoalho desabar. Mais este reparo feito e finalmente conseguimos vender o Pascoal.
Compramos um Escort L preto, travestido de XR3 que era até bonitinho e bem valente. Não lembro mais o nome que lhe demos, mas ele encarou conosco um tour pelo nordeste inteiro sem dar problema, enfrentando inclusive alguns areais nas proximidades de Gijoca. Mais tarde, vendi-o ao meu irmão. Pobrezinho do carrinho... Para não ter que acompanhar minha mãe às compras, o mano só foi tirar carteira de motorista depois dos trinta anos de idade. Conseqüentemente, dirigia quase tão mal quanto o Barrichelo e, menos de um mês depois de ter comprado o bravo Escort, o único nome que o coitado poderia ter era Tião Macalé, todo amassado, a grade quebrada lhe dando um aspecto desdentado. Manutenção zero. Acho que nem o óleo do coitadinho meu irmão trocava. Para mim, o carrinho nunca foi um sambado. Mas, meu irmão me ensinou, passo a passo, como se faz um.
Para quem não leu Sambado 1, segue a letra da música que me inspirou esta seqüência:
Sambado
(Vander Lee)
"Meu carro é uma escola de samba
Tá todo sambado na passarela
Batendo tudo na descida
Subindo a avenida, batendo biela
Na hora de dar a partida
É preciso torcida, é aquela novela
Se não dá defeito na bomba,
É no cabo, no pino ou na pratinela
A alegoria já não anda nota dez
Sempre que passo numa poça molho os pés
A bateria anda sem forças pra levar
Mas é nas curvas que o danado
Mostra que sabe sambar
Anda esquisito no quesito evolução
Só de ano em ano é que sai do barracão
Nosso desfile pode não ser campeão
Mas quando caio no samba ele nunca
Me deixa na mão"