Um beijo na esquina
Assim, quase noite,
andando pela rua,
você ao meu lado
fazia de me beijar.
Nem era timidez
o que eu sentia
mas uma relutância,
medo de apedrejamento.
Sim, vejam,
um beijo em plena esquina.
Uma cena muito forte
para olhos tão bem abertos,
catequizados.
Fomos freados pelo semáforo
e paramos na calçada.
O nome da rua urgia respeito,
o que de certa forma
me causou mais constrangimento.
Frei Caneca.
Sim, acho que o frei não aprovaria.
Pensei na cena que havia visto
há poucos metros atrás,
em frente a uma igreja.
Uma mulher moradora de rua,
rogava empenho de sua filha
recém-saída da infância
para que conseguisse dinheiro
nos faróis, as fraldas do bebê
que ostentava nos braços tinham acabado.
Sim, acho que o frei não aprovaria.
Dois segundos,
foi o tempo do beijo
no lado esquerdo da minha bochecha.
Senti-me amparado
pela sua compreensão,
pela sua coragem diante da vida,
mesmo que ninguém aceitasse
ou fizesse jus a visão,
mesmo que o frei não aprovasse.
Atravessamos a rua e seguimos.
E o frei sisudo
continuava a desaprovar a mãe
e a nós e a todos os foras da lei.
Amor é mesmo aquele de regras,
de cláusulas, verbetes...
De coração mendigando
papel coadjuvante
em teatro de quinta.
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Nota: considerações sobre a amplitude da palavra amor e sobre a compaixão tão fora de moda.