Um beijo na esquina

Assim, quase noite,

andando pela rua,

você ao meu lado

fazia de me beijar.

Nem era timidez

o que eu sentia

mas uma relutância,

medo de apedrejamento.

Sim, vejam,

um beijo em plena esquina.

Uma cena muito forte

para olhos tão bem abertos,

catequizados.

Fomos freados pelo semáforo

e paramos na calçada.

O nome da rua urgia respeito,

o que de certa forma

me causou mais constrangimento.

Frei Caneca.

Sim, acho que o frei não aprovaria.

Pensei na cena que havia visto

há poucos metros atrás,

em frente a uma igreja.

Uma mulher moradora de rua,

rogava empenho de sua filha

recém-saída da infância

para que conseguisse dinheiro

nos faróis, as fraldas do bebê

que ostentava nos braços tinham acabado.

Sim, acho que o frei não aprovaria.

Dois segundos,

foi o tempo do beijo

no lado esquerdo da minha bochecha.

Senti-me amparado

pela sua compreensão,

pela sua coragem diante da vida,

mesmo que ninguém aceitasse

ou fizesse jus a visão,

mesmo que o frei não aprovasse.

Atravessamos a rua e seguimos.

E o frei sisudo

continuava a desaprovar a mãe

e a nós e a todos os foras da lei.

Amor é mesmo aquele de regras,

de cláusulas, verbetes...

De coração mendigando

papel coadjuvante

em teatro de quinta.

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Nota: considerações sobre a amplitude da palavra amor e sobre a compaixão tão fora de moda.

Felix Ventura
Enviado por Felix Ventura em 04/05/2008
Reeditado em 16/07/2021
Código do texto: T974111
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