Dragão do mar 
               na Terra da Luz



   Não é sem razão que o Ceará é chamado de a Terra da Luz.  Mas, muita gente ainda não sabe por quê.
   Certa ocasião, um amigo baiano perguntou-me se era por causa do sol do Ceará, considerado pelos entendidos o mais brilhante do Nordeste. Fortaleza  - lembram-se? - é carinhosamente chamada de  a "loira desposada do sol".
    Respondi ao amigo  (filho do estado onde o espetáculo deprimente do pelourinho fora encenado, sem dó nem piedade, milhares de vezes ) recordando-lhe alguns dos episódios mais marcantes do movimento pela abolição dos escravos.
    Não vou aqui nomeá-los para não enfadar o  leitor, que já perde seu precioso tempo lendo esta mal traçada crônica.

     Os historiadores dizem que, em 1881, já se registrava no Ceará uma vontade indômita de "destruir as senzalas", indicativo de que a terra de Alencar não tolerava a escravidão. 
     Nesse passo, cearenses ilustres como Liberato Barroso, Justiniano de Serpa, João Cordeiro e o poeta boêmio Paula Nei dedicavam-se, de corpo e alma, à causa abolicionista.
     Enquanto isso, no sul, um mulato culto e destemido, filho de um padre com uma escrava, destacava-se na luta pela quebra das algemas negras: José Carlos do Patrocínio.
     Extraordinário tribuno, Zé do Pato empolgava as multidões com seu verbo corruscante, corajoso e convincente em favor da libertação definitiva dos escravos.
     Amigo do Zé, o poeta cerarense Paula Nei resolveu lavá-lo a Fortaleza.  Antes, informou ao Patrocínio que, desde agosto de 1881, "não mais embarcavam escravos nos portos cearenses". 
     E que era cearense a primeira cidade brasileira a descativá-los, referindo-se à pequenina Redenção, distante 62 quilômetros da capital alencarina.
    Vale, porém, anotar, que, somente no dia 25 de março de 1884 o movimento cearense pela abolição consolidou-se, e o Ceará  tornou-se a primeira província brasileira a libertar escravos.
    Com o Zé do Pato a tiracolo, Paula Nei desembarcou em Fortaleza. Na capítal cearense, o Tigre do abolicionismo pronunciou inflamados discursos em defesa dos seus irmãos de cor. 
    E "numa das suas famosas orações - escreve Raimundo de Menezes - o Zé conferiu ao Ceará o título de Terra da Luz". 
    Fica, portanto, esclarecido que, apesar do seu sol de brilho ímpar, não é por causa do "astro rei" (arre!) que o Ceará é chamado  de Terra da Luz.  Um título  que os cabeças-chatas, livres de quaisquer preconceitos, mostram ao Brasil, com indiscutível orgulho.

    Quem visita o Ceará, ouve, em cada esquina, falar num tal Dragão do Mar. Um tal?  Ora, sua importância é tão grande que o Governo do Ceará o homenageou, criando o Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura. 
    Trata-se de um espaço mui bem cuidado pelas autoridades e zelado, com religioso carinho, pelos cearenses de todas as idades, credos, cor e classe social. 
    No Ceará, todos se unem em torno desse Centro de cultura, que fica na Rua Dragão do Mar, 81, na praia de Iracema.  As pessoas que fazem turismo na terra de Rachel de Queiroz e de Clóvis Beviláqua não podem deixar de visitá-lo..
    Quem foi Dragão do Mar?
    Até os camelôs da Praça do Ferreira, se perguntados, dirão que o Dragão, um humilde  pescador, é o "símbolo do movimento abolicionista cearense." 
    Batizado com o nome de  Francisco José do Nascimento, ele nasceu na paradisíaca praia de Canoa Quebrada, em Aracati, cidade a 150 quilômetros de Fortaleza.                
     Este registro histórico, parece-me dizer tudo sobre o intrépido Dragão do Mar:  "Chefe dos jangadeiros, ele e seus colegas se engajaram à luta já em 1881, recusando a transportar para os navios negreiros, os escravos vendidos para o Sul do pais."
     Na raça, ele fechou os portos do seu Estado ao tráfico de escravos,  muito antes da assinatura da Lei Áurea, em 13.5.1888, pela Princesa Isabel, a "loira mãe dos brasileiros", como a chamou, naquela ocasião, José do Patrocínio. 
     Em 1874, com os negros cearenses gozando de plena liberdade, o Dragão foi ao Rio (viagem penosa!) e doou sua jangadinha, de tantas e beneméritas lutas, ao Museu Nacional.
     Mas querem saber o que aconteceu com ela? Simplesmente desapareceu!  Lamentável, né mesmo?     
     Melhor que ele a tivesse deixado na praia de Iracema recebendo a brisa morna e amorável dos "verdes mares bravios" da sua terra natal. Foi, sim, um inominável desrespeito do povo do Ceará.
     Francisco José do Nascimento (um nome bem nordestino) nasceu no dia 15 de abril de 1839 e morreu no dia 6 de março de 1914, em Fortaleza.
               Este, sim, um herói de verdade, num país repleto de heróis de araque...

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 03/05/2008
Reeditado em 22/10/2020
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