Errare humanum est.
Já se passaram mais de dois milhões de anos desde o dia em que o homem olhou pro céu e compreendeu que, apesar de sua insignificância diante da grandiosidade do universo, tudo que ele precisava estava aqui mesmo. Percebeu sua superioridade potencial e entendeu que ele precisava apenas agir para instituir seu poder diante da passividade de todo o universo ao seu redor. Então aconteceu o momento crucial. O divisor de águas. Ele poderia não ter ido avante e deixado tudo como estava e, nesse caso, hoje ainda estaríamos felizes e contentes com toda aquela natureza tão exuberante e imaculada, quanto sinistra e devastadora. Claro que talvez apenas alguns milhares de nós estaríamos vivos. Claro também que nosso maior avanço tecnológico fosse, talvez, o domínio sobre o "deus" fogo, como também é possível que diante de nossa inércia para a desenvolvimento outro hominídeo (ou mesmo não hominídeo) tivesse superado nossa cultura e nos tivesse posto sob seu julgo, ou mesmo até nos exterminado. Mas não! Ele teve que fazer aquilo. Provavelmente ele tomou alguma água sob a qual alguns cereais fermentaram, o suficiente, e não mais que isso, para deixá-lo entorpecido e, num gesto insano, pensou: "Hei de dominar tudo isso!" E em alguns instantes desfilaram pela sua pequenina cabeça milhares de coisas que haveria de inventar para tornar a vida melhor e estabelecer de fato o domínio sobre o universo. "Inventarei o trem, o carro, o telefone, o computador, o celular, o satélite... Inventarei animais e plantas para meu sustento e a eles darei nomes tipo boi, carneiro, galinha, porco, alface, feijão, milho... e também criarei religiões, dogmas deuses, profetas, tudo de acordo com a capacidade intelectual de cada comunidade. E moldarei todas as religiões para que sejam todas elas verdadeiras e sejam, cada uma delas, a única maneira de se ter a verdade" (leia-se: salvação, vida eterna, descanso eterno, reencarnação, etc...); "Tudo isso para que seus deuses sejam únicos, criadores, onipotentes, onipresentes ou múltiplos, polêmicos fiéis, traidores... tudo a gosto de sua sociedade. E mentirei sempre que preciso for para manter a verdade."
Olhou para os lados e disse "...pra começar, vou deixar de apenas apanhar o que a natureza me oferece; a partir de hoje, vou modificar as coisas que encontro para que elas me sirvam melhor... e, ainda que deva obediência a uma entidade qualquer manterei o domínio total sobre todas as demais coisas animadas ou não que estejam ou venham surgir ao meu redor...". Teve alguns momentos de indecisão quanto por onde começar, mas finalmente lembrou que os ossos, madeiras e pedras que usava para caçar e outros afazeres seriam os primeiros a serem modificados. Pegou a maior das pedras que pode manusear com habilidade, examinou-a por todos os lados e percebeu que algo tão duro poderia ser muito mais útil se mais pontiagudo fosse ou se um melhor fio tivesse. Após longas horas de reflexão, e quase que instintivamente colheu outra pedra de idênticas proporções e usando toda a força que dispunha, chocou uma contra a outra. Num primeiro momento quase nada se modificou. Esse inconveniente quase pos fim naquilo tudo. Quase que abortou o grandioso projeto. Nem consigo imaginar-me sem meu pen-drive, lap-top, meu carro, água encanada,filé-a-cavalo, sushi, paella, TV a cabo, e milhões de outros itens que confortam minha breve passagem por este mundo.
Ainda bem que ele foi persistente e algumas poucas tentativas depois ele conseguiu. Pela primeira vez usou a tecnologia. A mesma tecnologia que no futuro traria todas as novidades que idealizara. A mesma tenologia que faria dele senhor do universo. A mesma tecnologia que num futuro bem distante colocaria em risco a existência de seus co-habitantes, de seu próprio ambiente. Colocaria em risco a sua própria existência... Num movimento mais habilidoso ele... pela primeira vez, conscientemente e com a nítida intenção de aproveitar-se do seu feito, ele...
Lascou a Pedra.