MANIAS .

 

   No exato momento em que nos serviram a primeira e já tradicional travessa de bolinhos de bacalhau e a rodada habitual de chope geladinho, um dos presentes fez um pequeno comentário sobre sua mania de sempre calçar o sapato ou chinelo do pé esquerdo primeiro do que o do direito. A gargalhada foi geral e aumentou quando outro confessou que também tinha várias manias.

   Ele contou, entre uma golada e outra de chope, que por exemplo jamais veste a camisa antes da calça. Disse que dá azar e que desde que era criança foi acostumado a esse ritual e tem mais. Certa vez, tentando vencer essa tola superstição, vestiu a camisa em primeiro lugar .

   O resultado é que ao se abaixar para pegar os sapatos, ouviu o barulho de pano rasgando e examinando melhor, percebeu que o tal rasgo era na sua calça. Claro que foi uma coincidência mas o amigo jura que não.

   Também tenho manias. Uma delas é a de estar sempre fechando todas as portas que aqui em casa minha mulher ou meus filhos deixam abertas. É a porta da sala, do banheiro ou dos quartos. Não posso ver nenhuma delas aberta que vou correndo fechar. Não é uma grande tolice ?

   As gargalhadas só eram interrompidas pelo som das goladas do chope e pelo mastigar dos bolinhos de bacalhau. Outro dos participantes supersticiosos daquela mesa resolveu contar suas manias.

   Um pouco constrangido disse-nos que sempre que entra num banheiro, seja para o que for, tem que acender a luz. Não importa se for de manhã ou à tarde mas sem luz acesa, não faz nada, nem escova os dentes.

   Abro um parêntese para fazer um comentário sobre a importância do chope (moderadamente falando) na vida e comportamento de certas (eu disse “certas e não “todas”) pessoas. Quando está acompanhado de bolinhos de bacalhau com azeite português, tem o dom de desinibir e fazer com que sejam reveladas as mais íntimas fraquezas, o que não deixa de ser uma terapia relativamente barata (e bem mais saborosa) .

   O fato de estar conversando com amigos num adorável barzinho, completamente relaxados e desinibidos, acaba contribuindo para que a pressão alta e o colesterol possam dar um tempo e quem sabe, irem baixar noutra freguesia (pode até ser naquela pastelaria da outra esquina , onde o chinês, segundo fofocas dos concorrentes, só troca o óleo da fritura a cada seis meses).

   Se eu fosse médico (para a felicidade de muitos, não sou) , recomendaria aos meus clientes uma visita semanal a um desses barzinhos que nos deixam completamente à vontade (e cuja conta não seja muito alta) para, moderadamente (sempre moderadamente) colocar para fora (no bom sentido) todas as nossas dificuldades e frustrações e apagar da memória as grandes tolices praticadas.

   Mas voltando às manias, percebi que todos somos iguais nos nossos defeitos. Tem um que tem a mania de só chupar três laranjas de cada vez, outro que só vai ao cinema na última sessão e outro que jamais cumprimenta a sogra antes da mulher (se bem que para cumprimentar a sogra sempre é preciso ter um certo cuidado).

   Ouvi também a confissão de outro amigo que tem quatro filhos, cujos nomes começam pela letra “A”. Não preciso dizer que os nomes tanto dele quanto da mulher (bem como das suas duas primeiras namoradas), também começavam com a mesma letra. Quando perguntamos se isso seria superstição e não uma mania ele , primeiro tomou outro generoso gole de chope e deu uma caprichada dentada num bolinho para em seguida insistir que era mania mesmo e que só seria superstição se ele tivesse escolhido os nomes dos filhos numa seqüência alfabética. Resolvemos pedir outra rodada de chope.

   Naquela noite voltei para minha casa mais aliviado. Pude perceber com toda clareza que sou igual a muita gente e que aquilo que chamo de manias, na verdade não passam de hábitos adquiridos ao longo de todos esses meus anos de vida.

   Não está errado e nem pode ser considerado algo absolutamente anormal usar a mesma marca de sabonete há anos, evitar usar calça branca com camisa preta, só assistir televisão deitado, não usar óculos escuros quando se está dirigindo, não comer nada em pratos fundos, sempre segurar a faca com a mão direita e o garfo com o esquerdo, só usar meias pretas ou azul-marinho, só sair de casa quando não estiver ouvindo qualquer tipo de trovoadas e alguns outros, digamos assim....hábitos.

   Esse é o lado bom de se tomar chope, acompanhado de uma bela travessa de bolinhos de bacalhau regados com um legítimo azeite português, sempre moderadamente.....

 

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(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 03/05/2008
Reeditado em 15/01/2013
Código do texto: T972508
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