CONTRASTES DE UM POVO

Ainda perplexo com o caso da menina atirada do sexto andar de um edifício de classe média-alta em São Paulo, venho até aqui para escrever um texto onde não pretendo abranger o caso em questão, mas, sim, tentar fazer algumas colocações sobre determinados fatos ocorridos e que também me deixam em estado de perplexidade.

A cobertura dada pela imprensa chega ao esgotamento. Existem emissoras de TV que dedicam programas inteiros ao assunto, em muitos casos - ainda que veladamente - fazendo pré-julgamentos como se os seus âncoras fossem os donos da verdade.

Uma delas chegou a ponto de apresentar uma “entrevista” com o casal mais famoso da atualidade num programa dominical de audiência considerável, entrevista essa que não acrescentou absolutamente nada a coisa alguma, a não ser a tentativa do casal de provar sua inocência.

Mas quais são os casos que também me deixam em estado de perplexidade, além do crime em si? E eu respondo.

As atitudes desmedidas de um povo que faz questão de fazer a sua parte de forma ridícula e insensata, sem ter certeza de nada, transformando uma tragédia em um espetáculo circense de primeira grandeza. É claro que a condição social das famílias envolvidas influencia muito para que o “povão” aja dessa maneira. Crimes hediondos similares a esse ocorrem com uma freqüência alarmante no dia-a-dia de nossas cidades, principalmente nas camadas sociais de baixa renda. Só que isso passou a ser tão comum que não dá mais audiência, mas quando acontece nas chamadas classes mais abastadas passa a ser um prato cheio para todos, mídia e povo (lembram-se da rua Cuba?).

Vi nos telejornais a revolta desse povo contra os advogados de defesa do casal, ao atirar um tijolo contra o carro em que estavam e ao ir enfurecido bater o ponto em frente à casa dos familiares, fazendo algazarras e provocando destruição sem sentido no patrimônio alheio. Mostram faixas, cartazes de protesto, xingam a todos da família, atiram objetos, chutam os carros, enfim, agem como se estivéssemos no tempo das barbáries. Uns, mais idiotas ainda, fazem questão de se mostrarem sorridentes para as câmeras das televisões ali presentes como urubus em cima de carniça.

Muito bem, essa é a situação que vemos nesse dia-a-dia repetitivo em que se transformou o caso da menina assassinada.

Vamos agora olhar a situação através de uma outra óptica.

Se esse mesmo povo que age assim perante um caso trágico como esse, tivesse o mesmo tipo de atitude contra o político corrupto, contra os abusos desmedidos das operadoras de telefonia e TV por assinatura, contra as empresas públicas que prestam os piores serviços à população e que pagam seus funcionários com o dinheiro que de nós usurpam através dos impostos, contra a situação caótica do nosso sistema de saúde, onde ainda estamos sujeitos a epidemias que há muito já deveriam estar erradicadas, talvez hoje já estivéssemos vivendo em um país melhor, mais justo e mais decente.

Se esse mesmo povo cobrasse das autoridades de plantão o desfecho de várias tragédias ocorridas por desleixo e por irresponsabilidade de seus responsáveis, muito já teríamos avançado na direção de uma sociedade mais justa e mais acolhedora.

Se esse mesmo povo se preocupasse um pouco mais com a informação, com a cultura e com o seu próprio destino não seríamos hoje um país tão sofrido e tão traído na sua própria essência.

Mas isso não interessa e enquanto ocorrerem tragédias como a da menina atirada pela janela do sexto andar de um edifício de classe média-alta em São Paulo, esse nosso povo simpático e hospitaleiro, como dizem, já terá motivos para protestar dando-se assim por satisfeito.

Vai entender!

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Arnaldo Agria Huss
Enviado por Arnaldo Agria Huss em 02/05/2008
Reeditado em 02/05/2008
Código do texto: T971635
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