Aríetes e Catapultas - Berenice Heringer

Os cineastas pegam as obras-primas clássicas da literatura e realizam proezas. Os sensíveis, criativos e competentes, naturalmente. O resto a gente passa a régua e vira a página. Quem adora leitura, lê antes de ver e volta a reler depois. Osvaldo França Júnior, talentoso escritor mineiro, que tive a honra de conhecer pessoalmente, disse que o cinema não substitui o livro. O livro está acima, porque o leitor cria um roteiro, particulariza os personagens e imagina o cenário interagindo, assim, com o autor. É o desafio de pensar e criar não é o mesmo de apreciar a cena já pronta.

Estive vendo, ontem, As Viagens de Gulliver, obra de Jonatham Swift, e fiquei deslumbrada com as falas do personagem-título Lemuel. Se fosse Leumuel, com mais um U, daria para ler de trás para diante. Mas essa mania é só para aqueles apaixonados pela palavra escrita.

Poder, governo, guerras, mentiras. Os humanos são bem piores do que os cavalos. Peritos em invejar, cobiçar, roubar, trapacear, matar, eis as práticas corriqueiras dessa sociedade envilecida. Na terceira parte da história, quando ele já viajou pela terra dos gigantes e dos liliputianos, chega a um reino de magia e feitiçaria, onde sempre era enganado por um sabichão que dizia: amanhã iremos pegar os cavalos para viajar. Lemuel, já desconfiado de que o hoje nunca virava ontem, a cada dia dava um pequeno corte num dedo. Quando se deu conta de terem-se passado já quatro dias, resolve entrar por uma parede...Então chega a uma terra de bichos e bárbaros. A fita não é legendada, mas dublada. Algumas falas se perdem. Entretanto, ele diz que os selvagens são yahoo! Não tenho um dicionário de inglês aqui em VV. Ele batiza uma égua-falante de Senhora, Ela fala pouco e é muito sensata. Creio que os sub-humanos são lêmures, da Lemúria, terra desses primitivos da sub-ordem dos primatas, com focinho de raposa e corpo parecido com o do macaco. Também lêmure é sinônimo de fantasma e duende. São criaturas da lama e do barro, cada qual um adão pré-edênico mal-amassado e tosco, sempre do mal, impregnados de sujeira e excrescência. Tais subs não falam, só gritam, grunhem e guerreiam, comem, copulam e devoram-se mutuamente. Aí Lemuel Gulliver, um médico inglês que embarcara num navio e sofrera um naufrágio, vai ficando cada vez mais estarrecido, porque as cenas selvagens vão se intercalando, em flash-back, às do seu próprio jungamento por doutores e juízes de um hospital psiquiátrico. Ele era prisioneiro nesse hospício. Os doutos, com suas cabeleiras empoadas e seus narizes emproados, são piores, muito mais requintadamente pérfidos nas maldades, mas travestidos de senhores. Aí Lemuel diz: "nós humanos adoramos tanto as palavras, abusamos tanto delas, que elas perdem o sentido". (Os fálicos, falaciosos e falastrões, conclusão minha). Então, podemos arrematar: só os loucos são lúcidos.

"EU NÃO COMO FENO!" Dito perto dos eqüinos e da égua Senhora. Mas na assembléia do seu julgamento ele quer ser um cavalo e comer capim. A fita tem uns 180 min de duração e estou ansiosa para ler o livro (em dois volumes) da coleção obras-primas da Literatura Mundial da Ed. Abril, (com 50 vol) da década de 80, mas que ficou lá em BH na casa do meu filho mais velho, Wilson, na Nova Pampulha.

Um médico ginecologista, Dr. Elvídio dos Santos, disse que 1980 foi a década do terror, pelo surgimento do HIV e a calamidade da disseminação da AIDS. Na certa que os anos oitenta marcaram o início e a continuação dessa praga sem precedentes na história dos humanos. Dos macacos da selva africana, que iniciaram a contaminação, acho bom não falar aqui. No momento, é mais prudente abafar e esquecer Darwim e o evolucionismo, pois houve um retrocesso e fomos nos reinstalar nas origens obscuras e nas areias movediças de um pântano alagadiço. Enquanto houver livros (bons), cabeças pensantes, inquiridoras e livres como Lemuel Gulliver e Jonatham Swift, as épocas podem ser iluministas... VV, 28/04/08

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 02/05/2008
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