A CAMISOLA DE NEVE.
Minha mãe andava de leve, ao despertar pela manhã, vestindo a camisola de neve, e nos pés trazia meias de lã. Usava um suave perfume que recendia a floridos jardins quando passava pelos corredores da casa.
Com sua mão de veludo acariciava a minha amada avó que, aos noventa e nove, brincava de roda e contava histórias.
Aproximava-se da janela de frente para rua, olhava para céu onde o sol despontava para esconder as estrelas e a lua, e agradecia a Deus com uma prece a felicidade que tinha. Depois, com sua voz macia, acordava seu grande amor para que ele fosse enfrentar mais um dia de labor.
Começava a azáfama na casa. Filhos, escola, almoço: leva, busca e faz. O sorriso era constante. Sua marca registrada. O conselho era o chicote com que acertava os filhos quando estes a desobedeciam.
Eu, do alto dos meus dez anos, a observava. Queria ser como ela. Elegante, calma, uma imagem etérea. Nunca vi aquela bela dama dizer imprecações ou esmorecer diante dos desenganos. Sacudia os cabelos, fazia o sinal da cruz, para espantar o sofrer, e cercava de desvelos todos os filhos a crescer.
Assim, eu e meus irmãos, passamos da infância à adolescência, e depois à idade adulta, aprendendo com ela que a vida é uma escada que se começa a subir quando se nasce e que precisamos nos agarrar ao corrimão para não tropeçar e cair. Se um dia viéssemos a cair, deveríamos nos levantar e empreender novamente a jornada, desta vez um pouco mais sábios, agarrando-nos com força ao que aprendemos e pisando firme no meio do degrau para evitar um novo tombo. Assim fez de nós homens e mulheres conscientes e cientes dos nossos deveres.
Um dia, todos nós, vestidos com negras roupas, que pareciam mais negras à luz do sol, acompanhamos meu pai a sua última morada. O pranto inundava o rosto de minha mãe. As lágrimas caiam em suas mãos espalmadas como gotas de chuva na terra seca. Mas a força dessa mulher se revelou mais uma vez. Foi como se um anjo lhe dissesse que depois da vida existe a vida e depois do amor um imenso amor. Compreendeu e aceitou porque filhos e netos são uma “célula do homem amado”, disse. Nunca mais chorou de tristeza porque ao beijar seus filhos beijava o marido ausente.
Assim viveu minha mãe, iluminado ser, os anos que lhe restavam, aparando os golpes do relho da vida, mostrando o poder que sua alma tinha de tornar a família unida.