TANGERINI E LEITÃO: 2 POETAS SATÍRICOS
A SINCERA AMIZADE ENTRE LILI LEITÃO E NESTOR TANGERINI
Nelson Marzullo Tangerini
O Canastrão, periódico niteroiense especializado em críticas teatrais, como se sabe, tinha o poeta e teatrólogo Nestor Tangerini como Diretor Principal e Rubano Sobrinho como Gerente. Mas abria espaço, também, para a poesia.
No exemplar de 7 de julho de 1928, que contém críticas a Jardel Jércolis e Procópio Ferreira, com caricatura cubista de Procópio, feita por Tangerini, o soneto “É...bio”, de Lili Leitão é publicado ao lado do soneto “D. Boa”, de Nestor Tangerini, na p. 6.
Nessa época, Lili comandava o jornal O Almofadinha, que também publicava sonetos do amigo Nestor Tangerini. Os dois, portanto, eram amigos e ajudavam-se mutuamente.
Vejamos, pois, os sonetos da inseparável dupla de poetas humoristas:
É...brio
Zeca era um chuva, e dos intransigentes:
Bebia sempre, sempre... (São manias...),
Para se refrescar, nas noites quentes,
E para se esquecer, nas noites frias.
Certa vez, a pedido dos parentes,
Tentou regenerar-se, e, muitos dias,
Passou bebendo coisas diferentes;
Soda, refresco... e outras perfumarias.
Hoje, de novo, o Zeca anda bebido,
Entornando o seu velho “mata-bicho”
Mas, agora, diz ele, convencido:
- Bebo por um dever de humanidade,
Para comemorar o meu capricho
E a minha grande força de vontade...
Autor: Luiz Leitão
D. Boa
Essa, que passa por aí, senhores,
De olhos “flecheiros” e assombroso porte,
É a Salomé de minha terra – a morte,
O cadafalso dos conquistadores.
Dizem que, numa noite de esplendores,
Essa, que inflama à gelidez mais forte,
Até S. Pedro não livrou da sorte
De n´Assembléia estrebuchar de amores...
Julgais, talvez, ser isto zombaria?
Eu vos direi que não; pois, certo dia,
Em que ela entrou numa igreja, onde apareço,
Vi o reverendo todo esbodegado!
E o Cristo ouvi gritar, crucificado:
- Vai-se embora, “seu” diabo, eu sou de gesso.
Tangerini
Provavelmente, o soneto “É..brio” faz parte do desaparecido – e procurado - livro de sonetos Comidas Brabas, de Luiz Leitão, cujo prefácio – hilariante e magistral - foi escrito por seu amigo Frebônio, pseudônimo de Nestor Tangerini.
Lili – diz um grupo - fez uma tiragem muito reduzida do livro e vendeu-o de mão em mão, entre amigos, no Café Paris; outros, porém, afirmam que Comidas Brabas foi visto numa pasta de Luiz Leitão e não chegou a ser vendido.
Onde estaria o Comidas Brabas? Na mão de bibliófilos? Ou perdido para sempre?
Para nós, estudiosos do Movimento Literário do Café Paris, uma coisa é certa: havia uma amizade sincera entre Lili Leitão e Tangerini e entre todos os parisienses. Que isto nos sirva de exemplo, uma vez que dentro do meio literário brasileiro reina a inveja, a concorrência e a destruição do outro.
Nelson Marzullo Tangerini, 53 anos, é escritor, jornalista, poeta, compositor, fotógrafo e professor de Língua Portuguesa e Literatura. É membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 – Nestor Tangerini.