MACLUHAN MANDA LEMBRANÇA
"A televisão, tornando presente a realidade imediata,
aproximou definifivamente o imaginário do acontecimento."
(Jean Duvignaud, "Espetáculo e sociedade")
Os meios de comunicação em massa extorquiram do homem o pensamento racional.
O fato ficou visível nos últimos trinta dias; impossível não dar atenção ao que se convencionou chamar de "mídia".
A ausência da razão crítica e consciente, como se tem demonstrado, desperta sentimentos vários: ódio, amor, atenção, posionamento, culto, discussão, etc.
Todos, no mesmo instante, degladiassem suas opiniões.
Com isso, afirmam verdades duvidosas e definitivas.
Não há critério;
não há o "bem pensar".
Marshall MacLuhan, o profeta da era eletrônica, que debatiamos nas mesas de bares nos anos sessenta, tem mandado lembrança.
Bem que alertou para o advento da "aldeia global", que seria conquistada pela "ruptura, reversão, implosão e explosão" da consciência individual após o advento "da escrita" e dos meios eletrônicos de comunicação.
Pela sua dialética, o homem era naturalmente tribal, feliz e bom, como afirma Rousseau.
Nessa fase desconhece a "máquina" como meio de influir e modificar o ambiente natural.
A comunicação das suas idéias, experiências e sentimentos é feita pela "fala" e pelo "gesto", limitada e fracionada, direcionada aos que estão próximos.
A consciência do homem está diretamente ligada ao ambiente em que vive e tudo o que cria é prolongamento do seu corpo: o vestuário e a sua morada são extensões da sua pele; o machado, o arco e a flexa são extensões da sua mão; o calçado prolongamento dos seus pés; etc.
Não existe solução de continuidade entre os seus sentidos, o meio ambiente e a organização social.
Tudo está sob o seu controle.
O resultado é uma sociedade estável: a "aldeia natural".
A ruptura ocorre com a descoberta da "escrita", ao que MacLuhan classifica como "mecanização" ou "máquina".
É quando se dá o desequilíbrio da sociedade tribal.
A escrita, ou "máquina", permite ao homem expandir excessivamente o prolongamento do seu corpo, a registrar, a armazenar e a multiplicar as suas experiências e a vencer espaço de tempo e distância.
No entanto, essa expansão extrema foge ao seu controle, de modo que ele não a compreende e o faz "infeliz".
Doravante a comunicação e a informação estarão estocadas fora da sua memória natural.
A escrita, adquire existência autônoma e deixa de ser extensão do corpo; e,
definitivamente a sua consciência passa a estar ligada a "máquina" ou a "mecanização".
Assim, a solidariedade que o une aos seus semelhantes é comparada ao que une as engrenagens de uma "máquina", porque ele passa a viver sob o domínio da escrita.
Por conseqüência executa as suas ordens e não mais ao comando da natureza. (1)
A nova sociedade é "instável"; e,
o início do processo de realização da "aldeia global".
Na essência o conceito de "aldeia global" é parecido com o da "aldeia natural".
MacLuhan afirma que a nova ordem social, para "realizar-se", necessita de extrema rapidez na comunicação e no armazenamento da informação.
Nesse contexto, é que entram a televisão e os computadores.
O filósofo, no entanto, alerta para o fato de que enquanto a nova ordem não atingir a sua plenitude, ocorrerá "desequilíbrio" entre as duas estruturas: a "sociedade tribal ou natural" e a "aldeia global". (2)
Ao fim do processo histórico, a sociedade futura, ou "aldeia global", será regida pela trilogia:
interação,
unificação
e aculturação.
Interação porque o novo homem será habilitado para intervir na vida dos seus semelhantes, ao mesmo tempo que também dependerá de todos eles.
Unificação do globo com o indivíduo. Não haverá mais o homem público, (sem personalidade), e o privado, (com personalidade individual), mas o homem em intimidade com o globo.
Aculturação, na medida em que toda atividade humana, vivida na forma concreta e/ou imaginária, será transformada em cultura, interiorizada logo que criada.
Ao que ele afirma ser "a morte da arte".
O recalque e a censura desaparecerão;
a inconsciência tornar-se-á consciência.
O homem da idade eletrônica, ou "mecanizada", viverá uma solidariedade profunda para com os seus semelhantes, como um mesmo organismo, implicando a sua participação na vida dos outros, o auxílio, e a transformação dos conflitos em dramas interiorizados por cada indivíduo. (3)
Ao que me parece, é o que se vive agora;
e que, doravante, para sempre.
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(1) Tchouang-tseu conta que um sábio chinês, querendo ensinar um velho camponês como usar uma máquina de alavanca para tirar água do poço sem se cansar, ouviu dele a seguinte resposta:
"Ouvi meu mestre-escola dizer que aquele que utiliza uma máquina realiza seu trabalho maquinalmente. Aquele que faz seu trabalho maquinalmente, acaba por ter o coração de uma máquina e aquele que traz no peito o coração de uma máquina perde a sua simplicidade... Não é que eu não queira aprender e não conheça as coisas do que falas: teria vergonha de utilizá-las."
(Tchouang-tseu, Taoísta, cuja filosofia afirma que "não há no ser humano distinção entre o corpo e a alma, ao modo ocidental". Outra citação: "Despojar-me de meu corpo, obliterar-me meus sentidos, abandonar toda forma, suprimir toda inteligência, unir-me àquele que abraça tudo, eis o que entendo por sentar e esquecer."; Obras Completas, Capítulo VI).
(2) "Because something is happening
But you don't know what it is
Do you, mister Jones?"
(Bob Dylan)
(3) "Eu sou do século futuro
do século que não verei
espero que meu nascimento seja amanhã".
(Francis-Marie Martinez Picabia, pintor francês, 1879/1953)
HERBERT MARSHALL MACLUHAN - nasceu em Edmonton, Canadá, em 21 de julho de 1911, e morreu em Toronto, em 31 de dezembro de 1980, foi professor de Literatura Inglesa Moderna nas Universidades de Wisconsin, Assumption e Saint Louis, Estados Unidos, e de Toronto até 1979, quando sofreu uma trombose.
Foi um pensador genial que previu a morte da imprensa escrita e o surgimento de um mundo onde as palavras se evaporam em redes virtuais, o conhecimento e o imaginário se confundem e circulam com rapidez e em direção caótica, e a noção de sentido se expande para o futuro e se perde em um presente abismo, onde tudo se mistura.
Livros publicados no Brasil: "O meio e a mensagem", Editora Record, 1969; "Os meios de comunicação como expansão do homem", Editora Cultrix; "A Galáxia de Gutenberg", 1972, Editora da Universidade de São Paulo; etc.
Descreveu a televisão como:
"A IMAGEM, O SOM E A FÚRIA."
Morreu sem conhecer a explosão planetária da TV e da Internet.
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FONTES DE PESQUISA:
"MacLuan", de Alain Bourdin, Editora Melhoramentos, 1979.
"O meio e a mensagem", H. M. MacLuhan, Editora Record, 1969.
Não li, mas indico:
"MacLuan por MacLuan", organizada por Stephanie MacLuhan, Ediouro, 2006.
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As coisas não são mais o que costumavam ser.
Araçatuba (SP), 01-05-2008
Obrigado pela leitura.