Liga um fio, desliga outro...

Descobri de uma forma muito desagradável que tenho seríssimas limitações intelectuais. Ou, na melhor das hipóteses, que quando ligo um fio, desligo outros. Já ouvi muitas teorias sobre os lados esquerdo e direito do cérebro, e talvez, tomando isso como verdade, possa justificar meu embotamento criativo pelo uso excessivo do lado esquerdo (que controla o lado direito do corpo, o racional), desligando ou minimizando temporariamente a ação do hemisfério direito (o da emoção). Ou seja, não consigo usar os dois lados do cérebro ao mesmo tempo. E assim vem-me à mente (qual dos lados?) a música Ouro de Tolo, do saudoso Raul Seixas:

"É você olhar no espelho e

Se sentir um grandessíssimo idiota

Saber que é humano, ridículo, limitado,

Que só usa dez por cento de sua cabeça animal..."

Explico o motivo de minha revolta: há muito tempo tinha vontade de fazer uma pesquisa séria em minha área de atuação profissional. Depois de anos de relutância e de muitas idas e vindas, resolvi me candidatar a um mestrado, e consegui uma vaga. Assim, foi-me dado um prazo de três anos para cursar as matérias obrigatórias, fazer a pesquisa e escrever a dissertação. Pareceu-me uma eternidade... mas agora só me resta um ano e meio, e na verdade nem sequer comecei a pesquisa. Espero que minha orientadora não leia isto!

Assim, resolvi me dedicar com afinco à tal dissertação. Parei com os meus livros de cabeceira: os Veríssimos (pai e filho), o Quintana, o Corção (Lições de Abismo, já leram?), o Torero (terceira vez que leio: Terra Papagali, recomendo!), Adélia, Clarice, Eco, Garcia Márquez e Rubem Fonseca - todos os que estavam no meu criado mudo no momento, e que ia lendo aos pouquinhos, como chocolate especial que se come em pedaços pequenos, saboreando cada mordida. Ah, sim, também o Pessoa. Mas este me recuso a sequer tirar de perto, ainda que esteja temporariamente proibida de lê-lo. Como se, estando de regime, permitisse-me um bombom uma vez por semana.

Venho substuituindo-os por leituras técnicas, livros de bibliotecas das faculdades do campus, cópias xerox de textos que minha orientadora ou colegas me indicam, sofrendo no inglês vagaroso e no espanhol intuitivo que meus 10% me permitem reter...

Essa substituição me custa muito! Não tenho conseguido tempo nem para ler meus escritores favoritos aqui do Recanto, o que me faz tremenda falta; muito menos inspiração para escrever textos minimamente decentes, ou as poesias sofríveis que de vez em quando cometo. Estou embotada por tanta informação técnica. Espero sinceramente que seja apenas uma fase, e que não me torne um robô comandado por um hemisfério cerebral racional e sem emoção.

Assim, pressionada pelo prazo que vai encurtando aos poucos mas celeremente, deixo aqui uma justificativa bastante plausível para minha ausência como escritora amadora e leitora profissional. Espero que em breve volte a frequentar com assiduidade esse espaço especial de pessoas especiais que escrevem textos especiais. Mas, evidentemente, um chocolatinho de vez em quando não vai matar; portanto, ainda que não escreva, alguns comentários ainda poderão surgir nas escrivaninhas dos meus escritores preferidos...

Primeiro de maio, dia do trabalho. Um dia perfeito para se firmar um compromisso deste tipo. Que os deuses da labuta se apiedem de mim e me dêem inspiração (e persistência) para terminar o que me propus a fazer... como pagamento, prometo publicar aqui a dissertação, ainda que ela não venha a ter nenhuma leitura. Eu, sinceramente falando, com certeza não leria!

Beijos a todos,