O PORQUÊ DAS TROVAS CAIPIRAS ...
Apesar de ter nascido num dos bairros centrais da capital de um grande Estado, tenho profunda admiração e afinidade com as coisas e o povo do interior. Gosto sobretudo da simplicidade e sinceridade dessa gente e fico simplesmente deslumbrado com o sotaque caipira.
Certa vez eu disse, em tom de brincadeira, que gostaria de ser um violeiro do interiorzão, daqueles que improvisam versos e rimas, que falam de paixões, de aventuras e desilusões. Já tive oportunidade de assistir a alguns desafios belíssimos entre dois violeiros assim como pude, ao longo desses tantos anos , ouvir verdadeiras obras primas de cantores e compositores caipiras que passam a sensação de que cantam e compõem usando somente o sentimento simples que brota naqueles corações tão puros.
Não me lembro exatamente da primeira vez que ouvi alguém recitar uma trova. Só tenho certeza de que era um caipira e naqueles versos ele confessava um amor impossível pela filha do fazendeiro, seu patrão. Uma viola chorosa o acompanhava.
Durante muitos anos fiquei com aquelas belíssimas trovas no meu pensamento e então, à medida que o tempo passava conheci outras e até me arrisquei a fazer algumas, que timidamente guardei por um tempo e depois joguei fora.
Eu achava (ainda penso assim) que é muito melhor ouvir belos versos , principalmente se estiverem acompanhados pelo sentimentalismo de uma viola entristecida, do que tentar fazer rimas que, embora meu coração peça, meu cérebro nem sempre obedece (melhor dizendo, quase sempre desobedece).
Às vezes me surpreendo e me decepciono por não ver nem ouvir nos meios de comunicação uma maior atenção e divulgação das músicas dos violeiros, que na minha humilde opinião são os grandes poetas contadores e cantadores das paixões e das dores do coração.
É claro que não sou o que chamam de brega. Gosto de música, da música que consegue tocar minha sensibilidade. E os violeiros caipiras têm essa enorme facilidade de aguçar minha sensibilidade e o que tenho de melhor nos meus sentimentos.
Há muitos e muitos anos atrás, na casa de minha avó materna no sul de Minas Gerais estava se realizando uma festa, que se não me engano era um casamento. Eu era pouco mais que uma criança.
A certa altura chegou um senhor magro, de cabelos brancos e com um surrado chapéu de palha segurando aquele instrumento que parecia um violão. Eu que era criança curiosa fiquei espantado pelo fato daquele violão ter doze cordas. E então o homem começou a tocar e logo todos estavam ao seu redor.
Como criança, foi para mim uma experiência indescritível e inesquecível e certamente ali eu começava a tomar gosto pela música e pelos instrumentos de corda. Os versos vinham com facilidade e , logo percebi que a maioria deles era de improviso.
Lembro-me vagamente de ter aplaudido com grande intensidade a cada música que era interpretada. O som daquela viola me hipnotizava.
Os anos se passaram mas aquela cena, naquela noite, jamais esqueci e freqüentemente voltam aos meus pensamentos junto com minhas melhores lembranças.
Foi daí que sem pensar (se tivesse pensado, talvez não tivesse feito), numa noite certamente enluarada e com milhões de estrelas a me observar peguei o lápis e comecei a rabiscar. Eram duas e meia da madrugada. Veio a primeira e depois vieram mais duas.
Guardei o papel bem no fundo da gaveta da minha escrivaninha e algum tempo depois, distraidamente procurando por outra coisa totalmente diferente, tropecei na tal folha de papel dobrado .
Ao ler não pude deixar de sorrir e fechando os olhos, pude reviver aquela noite, aquela fogueira, o mesmo violeiro e aqueles versos.
Para os meus amigos leitores (acredito que ainda continuem sendo, pelo menos, meia dúzia), insisto em dizer que não sou poeta.
O que aconteceu é que, escrevendo essa seqüência do que eu chamo de trovinhas, na verdade o que eu queria mesmo era matar as saudades das conversas com os caipiras que conheci.
Nasci e vivi durante todos esses anos em duas ou três capitais de grande porte, mas com certeza , minha alma e meu coração são de um caipira que gosta de viola e de trovas de verdade, quer dizer, daquelas que são muito bem feitas e que saem do coração dos verdadeiros poetas......
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(.....imagem google.....)