O terno e fantástico mundo.
Estava eu esperando o ônibus para o trabalho.
Um dia claro e se nuvem, um dia azul em que só se podia imaginar o sol ardente e caloroso que nos esperava, um dia perfeito para ir trabalhar de terno e gravata e com uma maleta cheia de papéis, laptop e afins.
Meu único medo neste dia seria um ônibus apertado e sem lugar para me apoiar, mais um dia na rotina de São Paulo, mas estava confiante, firme na certeza e, como diria o “grande” livro ‘The Secret’, memorizando meu lugar no ônibus para que ao chegar lá estivesse livre e desocupado.
Realmente funcionou, ao entrar no ônibus me deparei com ele totalmente vazio, apenas o cobrador, motorista e as pessoas que entravam, inclusive eu. Claro que não mencionei que sempre foi assim quando pegava o ônibus direto da rodoviária, mas sempre é bom ter uma fezinha para começar o dia.
Ao entrar no ônibus um turbilhão de informações passou pela minha mente, como seria o trajeto, quantas pessoas caberiam, onde me sentaria, como pagaria o ônibus, porque o cobrador estava dormindo e comecei a estudar meus passos e atitudes.
Decidi passar pela roleta caso o ônibus começasse a lotar, ou quando achasse que o cobrador não iria mais ter troco para meus míseros R$ 10,25 (valor da passagem R$ 2,10), mas acreditem, isso já me aconteceu. Sentei-me à frente, torcendo para que nenhum senhor de idade chegasse para que eu não precisasse usar de minha educação e dar o lugar para ele se sentar, mas o faria com sorriso no rosto. Logo no principio da viagem olhando pela pára-brisa da frente do ônibus, um cachorro deitado bem na saída da rodoviária, abri um sorriso e simulei uma gargalhada por identificar aquele momento como “algo que nunca me aconteceu”, olhei para o lado na direção de uma senhora que, com toda sua frieza, fitou os olhos de cima abaixo demonstrando desprezo e julgando como infantil minha atitude.
Calei meu olhar e minha boca, uma grande nuvem negra se formou sobre o ônibus como se tornasse sombrio o dia, fazendo fugir o sol, o som dos pássaros e apenas sobrando o grande barulho do motor do ônibus.
Neste momento decidi passara pela roleta, no fundo do ônibus parecia mais claro e alegre, e, acima de tudo, menos barulhento.
Normalmente escolho um lugar próximo ao cobrador e mais perto da primeira porta de saída, claro que o motivo todos conhecem, mas hoje depois do incidente com a senhora na frente decidi ir ao fundo e explorar novas possibilidades. Me sentei ao lado esquerdo do ônibus, mas no banco do lado direito para, no momento que estivesse cheio o ônibus conseguisse me espremer pelo corredor e ser praticamente cuspido para fora do ônibus.
O ônibus ainda estava vazio, ou como posso dizer, meio cheio e meio vazio, mas ainda estava por chegar no grande ponto da praça, este que se torna meu inimigo mais poderoso e sem compaixão, neste lugar onde seu pesadelo se torna realidade, neste lugar onde crianças, jovens e idosos se tornam iguais, suprimidos pelos ferros e canos que nos cercam.
Fiquei tenso por um instante ao pressentir a ultima curva antes do “Ponto da Praça”, senti um calafrio em minhas pernas, me agarrei em minha pasta como se estivesse com medo de alguém a levar de mim, me senti impotente por não conseguir fugir nem correr para nenhum lugar, mas olhei mais um instante para o céu azul e vi a esperança, mal sabiam as nuvens que clamava a elas para que me levassem junto delas com o vento, mas aos poucos o sol foi sumindo, a grande sombra do “Ponto da Praça” já havia nos engolido e já trazia o vento frio e quieto. Ouvia seu zunindo pela fresta da porta, o motor do ônibus parou com sua gritaria e agitação.
Senti-me sozinho naquele banco, procurei ao lado por algum sorriso ou compaixão, mas somente existia um jovem babando na janela e já desmaiado, sendo açoitado por já ter desistido da batalha e entregue seu corpo as cinzas da manhã.
O ônibus balançava ao entrar o exercito de estranhos e desconhecidos que via todo dia naquele ônibus, a cada chacoalhada meu corpo tremia temendo quem poderia se sentar ao meu lado, mas fui firme e em nenhum momento me levantei do banco ou fugi do que era inevitável.
Aos poucos foram se multiplicando os corpos dentro do ônibus, mas algo de estranho aconteceu, ninguém se sentou ao meu lado, ao lado da janela tão cobiçada quando éramos criança. Neste momento estava perdido, acreditava na derrota, pois muito olhavam para mim com suas caretas, e se encostavam uns aos outros menosprezando meu sorriso já apagado pela sombra do momento.
O ônibus partiu, minha mente e coração respiravam aliviados por esse momento, acreditava ter acabado o sofrimento e esperava que a sombra que ainda estava pairando sobre o lugar já estivesse com seus dias contados. Olhei para o lado, e me dei conta de que ainda estava vazio o lugar ao meu lado, fitei as pessoas lhe questionando com meu olhar o porque de tanto preconceito com o lugar ao meu lado, seria o terno, seria a maleta ou seria o meu óculos. Nada mais fazia sentido para mim, havia entregado o ponto e meu sorriso já não era o mesmo, quando como de supetão o céu apareceu novamente, ainda havia esperança.
Olhei novamente para o corredor e senti uma grande força que me levava a crer que uma jovem ia se sentar ao meu lado, meu coração encheu de alegria quando tive que fazer um malabarismo para deixá-la se sentar ao meu lado.
Pronto, minha manhã estaria completa e esqueceria o traumatizante momento que havia passado, mas ao se sentar, um olhar frio veio sobre mim daquela jovem, ela se encolheu o quanto pode, praticamente se jogando pela janela que ofereci com carinho a ela.
Tentei ser cordial olhando e tentando dar um sorriso de bom dia, mas nada saía, existia um bloqueio naquele lugar, sentia um aperto em meu peito e uma falta de fé. A sombra ainda estava lá, apenas havia me dado mais tempo, devia eu ter decido naquele ponto? Devia eu ter mudado de ônibus? Meu coração e mente trabalhavam para responder as perguntas que surgiam. Olhava para o lado e o sentimento de medo que causava a menina estava me deixando angustiado, sem ar, sufocado em meu solitário lugar ao banco, o sentimento de desespero e arrependimento de ter se sentado ao meu lado me comparava aos grandes monstros ou até mesmo ao Jason do filme Sexta-feira 13.
A cada metro andado a menina se esgueirava mais na parede do ônibus, e enquanto observava sua reação a cada movimento de minha maleta, me dei conta de que já era hora de descer.
Um sentimento de alivio tomou conta de mim.
Estava livre e poderia me levantar daquele banco impregnado de tristeza e solidão, poderia me sentir livre das correntes que me seguraram e arrebentá-las dando mais um sorriso as pessoas a minha volta.
Me levantei aos poucos e fui esgueirando até a porta. Ao colocar os pés na calçada decidi não olhar para trás, temendo que aquela tristeza me acompanhasse pelo resto de meu dia.
Esta rotina se perpetuara até os últimos dias de minha jornada ao trabalho, e somente peço a Deus que não me torne frio como são os estranhos conhecidos que encontro todo dia no ônibus.