"ESCOLHE, POIS, A VIDA." - Berenice Heringer

O lema da Campanha da Fraternidade 2008 é um primor de correção. Quase um memento,

prece rezada no cânon da missa. Canon é regra, decisão de concílio, direito eclesiástico.

Ecclesia em latim é igreja. Em espanhol, iglésias.

Como leiga, preciso desse intróito e recorro, primeiramente, ao dicionário etimológico. O colegiado que escolhe o tema e decide o lema da campanha anual, todos eles dominam o latim e o português com maestria.

Então, analisemos a perfeita redação da frase. É imperativa e exortativa. Usa-se a 2ª pessoa do singular, mais solene e direta do que se fosse usada a 3ª. Escolhe tu, verbo escolher, segunda conjugação, regular. Precisa-se de ética e discernimento para selecionar. A forma imperativa dos verbos, na afirmativa, o que é o caso, 2ª pessoa do singular ou do plural, tu e vós, são retiradas do presente do indicativo sem o S final. Escolha um verbo, não precisa ser o escolher, e faça um treino. Não é recomendável o SER nem o IR, verbos anômalos, com variações próprias e que fogem à regra geral. Vejamos o estudar, no presente do subjuntivo, de onde se retira o imperativo negativo. Não há nenhuma modificação. É só acrescentar o não: que eu estude, que tu estudes. Frase: Já disse. Não estudes, pois, nesse horário.

Se o slogan da Campanha escolhesse o uso da 3ª pessoa, ficaria assim: Escolha, (pres. do subjuntivo) pois, a vida. Escollha você, como se usa no linguajar coloquial, uma corruptela de vossa mercê, vosmecê, ocê. A forma verbal exortativa, imperativa, afirmativa, quase perde a sua força, uma vez que escolha pode ser também um substantivo, o que arrefece a ordem.

No imperativo negativo, teríamos que usar o não e exortar a não fazer, não praticar, não levar a efeito e a virtude teria que ser mudada em vício. Ex. Não escolhas, pois, o aniquilamento.

Na negativa a frase fica mais fácil, gramaticalmente falando. Não escolhas, pois, a morte.

O lema da campanha é claramente contra o aborto, o uso da camisinha e pílula do dia seguinte. Deveria proibir é a prática do sexo precoce, promíscuo, sem responsabilidade. Escolhe, pois, a castidade. Escolhe, pois, a abstinência. E livra-te, pois, das DSTs.

Vamos ver o pois entre vírgulas, corretíssimo, conjunção coordenativa conclusiva = portanto, por conseguinte, nesse caso. Para se concluir, tem que se pensar antes. Analisar, ponderar, formar conceito, ter idéia, opinião, noção. A cautela, o cuidado, são preliminares.

A Lei é exortativa e punitiva. Nunca preventiva. No Decálogo o não matarás foi esculpido nas Tábuas depois de muitas vias de fato. Até a Medicina é curativa, quase nunca profilática. Só a vacinação previne, até impede as endemias e epidemias ou surtos. O médico pode até sofrer de furor curandis. Curar todo mundo como um cura ou pároco de aldeia.

Beba com moderação! Isto é uma deslavada hipocrisia. Todos enchem a cara até não mais poder. Os alcoolistas praticam a imoderação. Exortação só serve para abstêmio e antidoppunguista (nem sei se existe isso), para ajuizados e responsáveis.

Em nosso paisão, os paizões e as mãezonas torturam, matam, violentam, espancam, esfolam vivas, esganam, afogam, jogam na lagoa ou no abismo e pela janela do sexto andar, as criancinhas suas e dos outros. Há, atualmente, um índice de mil e quinhentas gravidezes precoces por dia, num total de 547.500 por ano, acrescentando-se mais um milhar e meio nos anos bissextos, exatamente como neste ano da graça de nosso senhor Jesus Cristo de MMVIII. No Brasilzão! Bebe o leite e não contes os bezerros. Analise esta exortação. Gramaticalmente, verbalmente, eticamente. Tem armadilhas quanto ao imperativo, pois apresenta as formas afirmativa e negativa. Tá todo mundo bebendo o leite e sacrificando os bezerrinhos. (Esta é minha conclusão ética, mas não moralista ou moralizante)

Não prevariqueis, pois, ó cenobitas e sibaritas! Vila Velha, 23 de abril de 2008.

Berenice Heringer
Enviado por Berenice Heringer em 29/04/2008
Código do texto: T966818