Minha filha Alícia de 10 anos pediu-me que a levasse ao shopping para se encontrar com as amigas e ir ao cinema. Disse-lhe que não seria fácil, visto que sabatinalmente tenho compromissos, que se não inadiáveis, pelo menos difíceis de postergar. Fiz o que tinha que fazer o mais rápido possível e voltei à casa antes de terminar toda minha lista. Minha esposa com outros compromissos tampouco poderia leva-la.

         Cheguei a casa com tempo suficiente para dar alguns acordes em minha bateria. Ouvi uma música no retorno à casa que me fez sentar e bater as baquetas no ritmo que havia ouvido minutos antes. Foi bom, pois assim baixei um pouco a adrenalina da correria de um  lindo sábado de sol.

         Alícia me cobra o tempo perdido com as baquetas e saímos de casa com o tempo justo. Muito justo.

         Erro número 1: não falei com nenhuma mãe sobre o tal encontro dos pré-adolescentes colegas de escola de minha filha. Pergunto à ela:

        - "Alícia, você tem certeza que o encontro é no shopping ABC Plaza? Ouvi algo ontem sobre o Mappin." (a antiga casa de varejo,  onde todo mundo das décadas de 60 até 80 tiveram um carnezinho para pagar).

          Pausa para explicar este ponto: anos atrás o atual Shopping ABC era o Mappin ABC. Ali perto existe o Shopping ABC Plaza. Deu para imaginar o que aconteceu? Isso mesmo, fomos parar no shopping errado.

         Fiz minha parte de pai atencioso, ou seja, o erro dela na verdade havia sido meu, pois não perguntei a nenhuma mãe dos coleguinhas da Alícia qual era o ponto de encontro.

         Corremos feitos loucos e chegamos à bilheteria......do antigo Mappin. Achei estranho, pois eram 10 crianças completamente soltas e somente um casal para tomar conta de todos. Pensei que todos haviam chegado com o casal. Daí veio a segunda supresa. Todas aquelas crianças, menos  Alícia e o filho do casal chegaram até lá sózinhas!!!!! Os pais se foram e as deixaram lá....sózinhas. Crianças de dez anos "soltas" num shopping abarrotado de gente.

         Minha filha finalmente consegue comprar o ingresso e vamos rápido até a fila para comprar pipoca e refrigerante. O pacote ticket+pipoca+refrigerante estava nas mãos das crianças. Deixo minhas últimas instruções à ela e o celular corporativo, que às vezes carrego comigo, assim ela poderia me chamar em uma eventualidade, já que ela se queixava de dor de cabeça.

         Pensei no que fazer nas próximas duas horas e decidi almoçar, pois já eram duas da tarde e a fome chegou mais rápida que a ligação de minha filha.

         Estava caminhando pelo shopping, quando o telefone toca: eram três horas da tarde, ou seja, uma hora após o início do filme. Alícia diz que todos se cansaram da película e que decidiram sair no meio. Perguntei onde ela estava, e quase ao prantos disse-me que estava voltando ao cinema para me encontrar. Todos eles decidiram mudar o esquema e saíram do cinema. Eram dez crianças sem nenhum adulto para vigia-las,  sem saber o que estavam fazendo. Alícia me diz que as amigas estavam na loja Ri-Happy e vamos até lá. Eu estava puto, pois haviam largado minha filha sózinha no shopping. No caminho à loja de brinquedos, encontro os pais que estavam na fila do cinema antes da compra dos ingressos. Comento com eles o  ocorrido e eles me dizem: "Eles são assim mesmo"!!! Assim mesmo???!!!  Cheguei a ser grosseiro e disse que aquilo não era certo. Olharam-me meio sem jeito, porém não disseram nada mais.....ai se falassem!!!!

      Primeiro absurdo:  dos pais das outras crianças que simplesmente largaram seu filhos SÓZINHOS num ambiente não tão seguro assim. Sózinhos mesmo, pois um grupo de dez fedelhos ainda cheirando a cueiro num shopping não passam de dez crianças desprotegidas, afinal deixaram minha filha voltar sozinha ao cinema, ou seja cada um ia para onde queria.

      Segundo absurdo: o único casal presente ao evento cinematográfico dizer que "Eles são assim mesmo", ou seja eles apoiam o "descombinar'o combinado.

     Terceiro absurdo: os pais das outras crianças, não estarem presentes. Simplesmente largaram os filhos lá, como se já tivessem 14 ou 15 anos!!!! Sei que esse absurdo já foi comentado antes, mas reforça-lo me parece conveniente.

      Posso parecer antiquado, ou mesmo "no fashion" com relação à educação , porém deixar crianças de 10 anos soltas num ambiente  desses não me parece uma atitude muito educativa. Educar é impor limites, é vigiar à distância, é soltar a corda na medida do crescimento de nossos rebentos.

     É óbvio que dizer sim a tudo que os filhos querem é muito mais fácil, sem embates, sem choros. Um ditado espanhol resume bem essa falta de limites: "Cria cuervos y te sacarán los ojos". Ou seja, se você não cuidar agora, alguém irá fazê-lo, porém os interesses destes não incluem o amor incondicional que somente os pais têm. Filho que bate ou maltrata os pais, com certeza não teve limites claros na infância.

       O mais incrível de tudo isto e orgulho para mim, foi minha própria Alícia dizer, que o que eu fiz foi o correto e que os pais das outras crianças estavam equivocados, para não dizer algo mais forte.
         Depois dos fatos com a menina  Isabella, nada mais me assusta, nem mesmo coisas tão pueris, como uma tarde no shopping com minhas filhas, mas prefiro ser Pai com P Maiúsculo que com p minúsculo. Se algum pai ou mãe das crianças que estiveram nesse dia com minha filha no cinema se sentir ofendido, digo-lhes que me senti muito mais ofendido com tamanha falta de responsabilidade por parte deles e se quiserem discutir o fato estou aberto ao debate.
      Fica uma pergunta: e se acontecesse alguma coisa a uma das crianças soltas no shopping? De quem seria a culpa? Ou como no caso de Isabella, ficaríamos discutindo o indiscutível?

        Em países mais desenvolvidos, uma atitude dessas leva os pais a um processo judicial e em alguns casos à prisão. Que ingenuidade a minha......achar que o estado protege nossos filhos!!!

        Obrigado Alícia por haver entendido o quanto te amo,  e me apoiar na atitude que tomei com relação a esse fato.