EU...HOJE

                      Sandra Mamede

 

Não costumo deitar cedo devido a minha insônia, por isso deixo para ir dormir bem tarde, pois encurto as noites, conseguindo chegar às vezes até  às  cinco da manhã. Hoje...foi um desses dias em que não consegui segurar o meu sono até às cinco. Ontem à noite comecei  a assisti  um filme, mas na hora do jornal parei, assisti ao jornal fazendo um pequeno lanche,  e assim fiquei vendo TV até  terminar o Globo Repórter. O cansaço venceu-me, mais cansaço do que sono, depois de uma manhã onde ministrei cinco aulas extremamente exaustivas, esforçando-me ao máximo para colocar na cabeça dos alunos os tipos de sujeito...poxa, será que eles não querem pensar, raciocinar ou estão desinteressados mesmos?! Afinal... questiono-me...será que na vida que eles vão enfrentar lá fora, saber se o sujeito será simples, oculto, composto, desinencial, inexistente ou indeterminado, terá alguma importância de verdade para eles?! Quem sabe... talvez para uns poucos, diria melhor uns 5% que conseguirão chegar a uma Universidade, e para os outros?! O que importa  saber classificar um sujeito?!

Pois é, depois de uma manhã dessas, de assistir a um jornal onde só se fala no caso Isabella, fui vencida pelo cansaço e deitei-me...  Após algum tempo, que me pareceu muitas horas, acordei... não queria abrir os olhos, tinha medo de ver as horas e ter a certeza do que tanto temia...mesmo  assim,receosa, olhei para o relógio, droga!  O meu tempo psicológico, cronologicamente, não foi nada mais, nada menos que três míseras horas de sono, o relógio marcava exatamente três horas!!! Continuei na cama, olhos pregados no teto, enxergando coisas invisíveis... ou melhor...dando forma aos meus pensamentos.

Virei-me... revirei-me, fechei os olhos,  nada  do sono voltar! Levantei-me... a casa dormia silenciosamente, resolvi acordá-la também através dos meus passos. Atravessei-a até o meu gabinete, não sem antes pegar um copo d’água e levá-lo comigo para o micro...e aqui estou eu,em plena madrugada, enquanto todos dormem, eu aqui corujando... depois de vasculhar muitos arquivos, escrever três poesias, organizar quatro avaliações, eis-me aqui escrevendo essa crônica, o relógio do micro marca exatamente, 05:56h, será que está certinho pelo horário de Brasília?! Mas o que importa isso agora?! Uns minutos a mais ou a menos não fazem nenhuma diferença! O dia já está amanhecendo, logo mais às oito horas terei que enfrentar uma reunião de “Pais e Mestres”, “mestres”? Mas hoje não somos mais “mestres”, também não somos “professores”, somos “EDUCADORES”...não ensinamos mais...ajudamos o aluno a aprender...

Tenho saudades dos meus “PROFESSORES”, que me cobravam, brigavam quando eu falhava, mandavam  bilhetinhos escritos no meu próprio caderno para os meus pais e exigiam que assinassem para terem certeza de que leram, de receber os meus “MESTRES” de pé quando entravam na sala saudando-os  com um gostoso “BOM DIA PROFESSOR(A)”, depois então podíamos nos sentar, das fardas impecavelmente limpas e controladas logo na entrada do colégio, das filas por turma para o hasteamento da Bandeira do Brasil, enquanto perfilados, cantávamos o Hino Nacional, com a mão sobre o peito numa demonstração de respeito,logo em seguida a oração coletiva antes de irmos para as nossas respectivas salas, do castigo que recebíamos quando chegávamos atrasados, e sozinhos tínhamos que cantar o hino, perfilados frente à bandeira, e só depois de cantado corretamente éramos liberados para a sala, do nosso medo se tivesse alguma nota vermelha  ao recebermos o famoso boletim para os nossos pais assinarem.

Será que naquela época já existia a tão famosa psicologia?  Que hoje nos algema, nos tolhe, nos impede de agirmos? Que nos coloca como vilões? Que tudo o que fazemos pode servir de trauma para o aluno? Já não podemos passar as notas abaixo da média com  caneta vermelha... é trauma. Já não podemos  reclamar do aluno que estiver bagunçando... é agressão. Já não podemos levá-lo à Diretoria, sem antes passarmos pela Coordenação, se formos agredidos verbalmente ou fisicamente... é processo contra nós. Já não podemos reprovar...é incompetência nossa. Não podemos reagir se formos assediados... a culpa foi nossa. Então, dessa forma, a que fomos relegados?! Simples enfeites numa sala de aula, sem nenhuma autonomia?!

Pois que venham os processos!!! Sou “PROFESSORA”  sim, de corpo, alma e ações. Sei do meu papel e ninguém vai me tirar esse direito, pois se assim não for, pendurarei as minhas chuteiras... ou melhor... colocarei o meu livro embaixo do braço e me aposentarei, mas farei isso com todo orgulho e dignidade, de cabeça erguida, na certeza de que cumpri a minha missão!