SERESTEIRO  SOLITÁRIO

Sandra Mamede

Geralmente sou muito saudosista, mas especialmente  nesse período estou deveras  sensível,  a falta dos meus pais  instalou-se  muito forte em mim, sinto um vazio muito grande e uma angústia que me dói o peito...seria o coração falhando ou a idade me mostrando o quanto sou  fraca e apegada ao meu passado?!

A maior parte da noite, sem sono, enquanto olhava para o teto, fiz uma retrospectiva do quanto fui feliz na minha infância ...minha adolescência...ai como doeu essa saudade! Coisas, lugares, pessoas, acontecimentos, quantas coisas maravilhosas passaram...

Não resisti, levantei-me e fui até a varanda da minha casa ouvir  o silêncio da noite. Fiquei ali observando aquela rua onde nasci. A casinha em frente, onde meus pais moraram quando casaram, deu lugar  a várias lojinhas. Os moradores antigos, amigos e companheiros de painho, também já se foram, hoje, como eu, quem permaneceu, foram os filhos e seus filhos.

Continuo ali perdida nos meus pensamentos olhando cada casa, nenhuma permanece igual...claro, né? O progresso também chegou até aqui. As casas antes mais simples, porém aconchegantes, deram lugar a alguns prédios e casas bem mais modernas. De repente ouço uma voz, olho para todos os lados e não vejo ninguém. Estou ficando louca?! Meu passado está se concretizando através dos meus pensamentos? Então recordo-me  de uma  voz que teima em voltar do passado. Na minha cabeça passa um filme, é como se estivesse vendo aquele senhor, em plena madrugada, andando pela rua a passos bem lentos, tocando o seu violão e cantando músicas românticas. Sozinho, na solidão da noite, ele dava o seu grito, fazendo-se notar através da sua linda voz e das músicas. Algumas mulheres  arriscavam-se  a olhar pelas frestas das janelas de quem era aquela voz maravilhosa. Transformou-se no príncipe de muitas...

Certa noite, quando todos dormiam, olhei-o anonimamente, queria que aquela voz tivesse um rosto, e, hoje, na minha grande solidão, ele volta ao meu pensamento. Parece que  ainda o ouço cantando na madrugada com a sua voz maravilhosa,

“ Hoje que a noite está calma...e que a minh’alma esperava por ti...