SEM ÓCULOS .

 

    Fazia tempo que eu não saía de casa atrasado. A culpa não era só do meu despertador mas também das cortinas do meu quarto. O despertador por não ter me avisado da hora certa que deveria pular da cama e as cortinas por deixarem o quarto na penumbra, contribuindo para que eu tivesse a sensação de ainda ser alta madrugada.

   Resultado, banho às carreiras, ter que engolir uma xícara de café e trocar roupa ao mesmo tempo, pentear o cabelo sem olhar para o espelho, enquanto guardava a carteira de documentos e algum dinheiro no bolso de trás da primeira calça que encontrei no armário.

   Permitam-me abrir um parêntesis para falar do meu óculos. Somos amigos e parceiros inseparáveis do tipo que se costuma dizer que um não vive sem o outro (eu pelo menos não vivo sem ele).

   Já tomamos banho e chuva juntos e ele foi a única testemunha ocular (sem trocadilho) de quase tudo que já fiz na minha vida pós adolescência, incluindo aí os êxitos (não foram tantos assim), fracassos (foram vários), desilusões (se nunca tivesse tido desilusões não tentaria escrever poesias) e enormes tolices (nessas, que foram inúmeras e incontáveis, deve-se incluir os micos).

   O que eu quero dizer é que praticamente não sou ninguém sem meu inseparável amigo e justamente neste dia em que eu mais precisava dele, cometi a enorme bobagem de esquecê-lo bem em cima da minha mesinha de cabeceira.

   Entrei na condução com uma sensação esquisita como se tudo estivesse nublado e as pessoas tivessem se transformado em vultos opacos e disformes. No inicio não dei muita importância pois julgava que fosse sono o responsável por não estar vendo as coisas com a nitidez habitual.

   Nitidez. Essa era a palavra chave. Só meu amigo era capaz de me ajudar a ver as coisas e os fatos com nitidez e naquele momento, naquela condução cheia, percebi que ele não estava comigo e fiquei aterrorizado. E o terror aumentou no momento em que me conscientizei de que dali a pouquinho eu estaria fazendo uma prova de matemática.

   As provas de matemática são sempre complicadas e tenho certeza de que seus professores em outras vidas foram carrascos ou fizeram parte de pelotões de fuzilamento (fuzilando e não sendo fuzilados). Tem um que me persegue há tempos e que não me surpreenderia se tivesse sido ele quem decapitou o inventor da guilhotina.

   Consegui chegar a sala de provas em cima da hora (na verdade, fui salvo por dois minutos com que os deuses dos relógios resolveram me abençoar). Ao entrar alguns colegas fingiram não me reconhecer (só podiam estar brincando) . Tive que dar um bom dia duas vezes para que pudesse receber alguma reposta. De fato eu deveria estar irreconhecível sem meus queridos óculos mas e minha voz, será que também estava tão diferente assim ?

   O carrasco, quer dizer, o professor distribuiu as provas e tive então novo ataque de pânico. Eu simplesmente não conseguia distinguir uma letra de um número. O pior é que teria que fazer alguns cálculos e assinalar as respostas num cartão de múltipla escolha.

   Então me lembrei de que certa vez, assistindo a um filme (era uma comédia e não um filme sério) um dos protagonistas que também estava sem óculos apertava os olhos e conseguia enxergar alguma coisa numa página de jornal que estava a certa distância. Bem, se o artista conseguia ler apertando os olhos, eu também conseguiria . E assim fiz.....

 

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COMO MINHA AVENTURA (OU DESVENTURA) TERMINOU :

 

   A prova constava de dez questões com cinco opções de resposta em cada uma. Eu só teria que preencher o quadrinho correspondente ao item que deveria considerar como resposta certa. O truque seria apertar os olhos para tentar enxergar as opções ou os quadrinhos que deveriam ser preenchidos.

   Apertei bem os olhos e como se estivesse jogando ping-pong fui preenchendo os espaços que , com enorme esforço conseguia visualizar. Como não tinha outro jeito, muito pouco à vontade fui o primeiro a entregar a prova.

   Uma semana depois, soube do resultado. Abençoado pelos deuses daqueles que enxergam pouco consegui acertar a metade e mais uma das questões que me permitiram eliminar aquela prova.

   O professor só não engoliu muito bem minhas explicações sobre a facilidade que tenho de fazer cálculos de cabeça.....

 

OBSERVAÇÃO FINAL :

 

   Nunca faça o que eu faço (em determinadas situações) e nem faça o que eu falo (na maioria das situações).

 

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(.....imagem google.....)

WRAMOS
Enviado por WRAMOS em 24/04/2008
Reeditado em 13/01/2013
Código do texto: T960509
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