A paz ou a verdade ?
“A Paz se for possível, mas a verdade a qualquer custo”
(Martinho Lutero)
Essas são palavras do grande líder da Reforma Protestante (séc XVI) Martinho Lutero. Ele dispensa qualquer comentário nesse nosso momento. Mas confesso que essa frase dele me deixou pensativo acerca das coisas que a religião reivindica como suas. Não somente a religião comete esse erro, mas também a ciência, a filosofia, enfim, toda área de conhecimento humano têm suas verdades e as coloca como algo universal.
Tenho medo da verdade, e concordo com Nietzsche quando disse que “convicções são prisões” e são de fato. Achamos que o que sabemos (que na verdade não sabemos , apenas achamos) é o que de fato condiz com a realidade das coisas, sem se dar conta de que a realidade é a maior ilusão (ou vice-versa).
Por causa de “verdades” nós colocamos a paz em segundo plano. Matamos em nome de uma verdade e num ato de idolatria e blasfêmia, atribuímos nossos atos às ordens de Deus (basta ver Êxodo 32:27-28), e por favor, não me venham com desculpas de que “não podemos ir contra a ordem de Deus”, não façam isso com Ele.
A maior mentira é acreditar numa verdade imutável, universal. Bem disse Rubem Alves assim, “O que é necessário compreender é que ninguém tem a verdade.
Nós só damos palpites. No momento em que os indivíduos compreenderem que suas verdades não passam de palpites eles ficam mais tolerantes. E é gostoso conversar mansamente, cada um ouvindo honestamente o que os outros tem a dizer.”, eu penso que daqui parte a maravilhosa trila para a paz. Admitir que no outro habita algo, que não é a verdade também, mas que colocados na mesma panela, dá uma boa sopa. Devemos admitir que “Todo ponto de vista, é a vista de um ponto” (L.Boff), e que nossas idéias e verdades, não passam de nossas idéias e verdades e nada mais. E se levarmos em conta o que foi exposto pelo Rubem Alves, e ter a humildade de sentar, ouvir o outro, sem preconceito, sem armaduras, então veremos que a verdade é só mais algo que perdemos tempo buscando, e que a paz pode mais em seus efeitos.
A fé cristã não teria registrado na sua história, esse mar de sangue que mancha a beleza do Evangelho de Cristo, se aceitassemos a crença do outro. E por sermos tão intolerantes, e mesquinhos com nossas verdades, foi inventado o Inferno, para que as pessoas que não tivessem nossa verdade, fossem para lá. Digo e repito que, o inferno foi feito para quem acredita nele. Desejamos o céu somente para nós, e para quem crê em nossas verdades, quem aceita nossos deuses. E o restante? Bem, “que tudo mais vá para o inferno…” !
No livro “Tratado da Ateologia” (Michel Onfray), o autor faz uma dura crítica ao derramamento de sangue provocado pela religião, e porque não dizer, por ordem de Deus. É uma briga de deuses, cada um diz que foi mandado por sua divindade … foi o que aconteceu no texto supracitado do Exôdo 32:27-28, matança geral em nome de Deus. O mesmo Deus que em Exôdo 20:13 diz: “Não matarás”. Bem, não matarás entre si. Não matem quem acredite no mesmo que você, mas, desçam o pau naqueles que não acreditam na verdade!
Sendo assim, tende paz somente com os que aceitam nossa visão de mundo, somente com os que vivem no mesmo círculo que nós, e quanto aos de fora, mate-os! Mate-os, porque o que importa é a verdade.
Não quero a morte dos que matam em nome da verdade, quero que eles vivam, para que experimentem a paz. Que possamos buscar a paz, mais que a verdade. Não existem verdades, existem palpites, vontades, desejos de que as coisas sejam como queremos…
Mas a paz existe. E está em reconhecer que cada um de nós, somos partes do outro. Como disse Luiz Gonzaga “ É tão bom quando a gente entende, que a gente é tanta gente, onde quer que a gente vá …”. Na paz descobrimos verdades, e a principal descoberta é que o outro é tão verdadeiro quanto nós.
Sendo assim, com ousadia mudo a frase do Lutero, e deixo dessa forma : “ A verdade quando for possível, mas a paz a qualquer custo”.