Carta aos Preservadores das Espécies
Carta aos Preservadores das Espécies
Prezados Senhores.
Membros da Confraria do Zoológico Humano.
Em resposta a sua correspondência assídua a respeito de cinema e outros temas tais como a violência humana ,preservação da espécie ,relacionamento familiar e tantos outros variados e criativos , aliás como é característico desta confraria, para a qual tenho a honra de ser convidada a participar, respondo não com uma carta como é de praxe, mas lhes remeto uma crônica, sabedora que sou que irão ler sua linhas e entrelinhas.
Dia destes pus me a pensar que o Zoológico humano , do qual faço parte ,anda meio desgastado. As pessoas me parecem enjoadas dos fatos corriqueiros da vida dos homens, sobretudo sua violência e, consequentemente, começaram a aparecer estes simpáticos personagens animais nos filmes que têm todos suas platéias lotadas. Não existe quem não queira o porquinho Babe, as formiguinhas ou, mesmo e vejam o absurdo sobretudo para as mulheres, um rato. Um rato simpático? Pois é, fizeram.. Estamos mesmo entediados conosco, com nossos romances, dramas ou melodramas, filmes de ação, terror, robôs, etc. Quem não tem um bichinho de estimação?
Escrevo , olho para o lado, e vejo o Joca, meu Scottish Terrier em brincadeira divertida com a Marilyn, minha gata Himalaia. Sorrio para este Domingo de manhãzinha na serenidade brincalhona ,agradável de minha casa ,e com a amizade reinante entre seus habitantes que são ,em tudo ,tão diferentes. Poderíamos ser inimigos em potencial, por exemplo ,um cão e uma gata ,mas aqui não acontece embora nosso entendimento careça de palavras como o é entre os humanos,( o que deveria facilitar , perdoem a ironia) .
Chego a perder a vontade de sair, ir andar pelas ruas e me vem à cabeça uma crônica do Rubem Braga quando ele se põe a observar um passarinho e o descreve nos mínimos detalhes, terminando a dizer que em verdade nunca tinha visto a beleza primorosa do passarinho e a perfeição nele feita pela natureza . Vivo seguindo o conselho deste mestre , e fico cada vez mais deslumbrada com estas criaturas do mundo. O Joca tem uma orelhas pontudas , perfeitas, peludas, sempre em pé, e um pelo que é cabelo negro ,grosso ,liso, de fazer inveja a muita gente. Quanto a Marilyn é toda branca com as patas em bege ,olhos azuis e uma maravilhosa feminilidade.
Após desprezar vários filmes em prol do ratinho , saí do cinema pensando que eu podia ser uma rata e conviver com o Joca e a Marilyn .Muitas vantagens teria ,uma delas é que sendo rata perco o medo ancestral das mulheres por estes tipos. Pensando bem vocês já notaram como vistos sob outro prisma , eles podem, realmente, ser simpáticos,estes ratos, com suas tocas escondidas ao pé da escada ,a cara bicuda e aquele rabo comprido, além dos olhos argutos ,expressivos. E que bom gosto! Queijos...Dia destes acordei abraçada num provolone.
E começo a sentir uma profunda piedade dos bichos, onde a natureza realizou prodígios em perfeição. Parece me que a mãe natureza usou toda a sua imaginação nos bichinhos para os diferenciar de nós , homens .Porque? Para que os amássemos? Para que não os matássemos? Ou para que nos comovêssemos e, comovidos, os preservássemos? È , inclino me para a ultima razão...
A propósito lembro do meu sofrimento quando vi a primeira chinchila na Expointer. Uma chinchila é queridíssima , elas ficam quietas ,comendo sua ração serenas e, quentes, dispensam qualquer coberta, tão bela é sua pele .Eu? Um casaco de Chinchila? Pele sintética já é bonita o suficiente! Mal posso pensar em me cobrir com a pele daquelas belezas mortas .Antes quero ter uma delas só para olhar .
E os ursos Panda? Como Deus teve a idéia de desenhar aqueles óculos em torno de seus olhos, qual a sua função? Proteção, ou foi para se alegrar e nos mostrar como ficamos quando ,com insônia ,temos olheiras. Aliás, olheiras e insônia lembram depressão . E os Panda estão quase condenados à extinção , existem já poucos no mundo. E quanto aos Cangurus! Ah, maravilha !Fiquei a imaginar se os bebes humanos tivessem a chance de viver até os oito meses em uma bolsa na mãe ,saindo aos poucos para observar o mundo e voltar correndo quando se assustassem. Que aprendizado! Que ótimo começo! Chega o dia em que já experientes, os cangurus se soltam e cortam definitivamente o cordão umbelical , prontos para a vida pelas matas. Tivéssemos nós esta oportunidade e, provavelmente, seríamos homens mais sábios e independentes na vida : é assim como um tempo de adaptação e de elaboração para finalmente largar a proteção da mãe de forma segura . Que sabedoria!
E quanto aos seus afetos ,seus sentimentos ?Nisto eles se aproximam muito dos bebes do zoológico humano e dos adultos também, ora bolas !Pois que o Jóca, quando vou trabalhar, sente se sozinho e sofre de solidão . Como ele resolve a sua solidão? Deita em cima de um chinelo ,ou uma blusa, qualquer coisa que lembre o meu cheiro, ou ,quando se irrita porque levo tempo a chegar, rói minhas sandálias, ou arranca pedacinhos das samambaias sem o mínimo dó. Educado, quando trouxe a Marilyn para lhe fazer companhia, foi um horror .Era por a gata no colo e aparecia uma enorme poça no tapete mais um olhar ressentido de quem sabe que é feio ser vingativo. Foi quando me lembrei como devem fazer as mães para que as crianças percam o ciúme, elas devem com carinho dar os bebes, sob vigilância, para a filha maior .Dividir , ensinar a gostar .È bem verdade que quando entreguei a Marilyn, ela levou umas patadas, umas cheiradas excessivas e mordidas, pois Joca precisava afirmar sua masculinidade ,como também seu tamanho e superioridade tanto em antigüidade na casa, como em força. Ela se arrepiava, rosnava mansinho, miava, fugia, fazia malabarismos de acrobata quando o entusiasmo do Joca passava dos limites. Uma semana depois os dois convivem e se acompanham, sem brigas, num doce aceitar de suas diferenças, suas manias e idiossincrasias .
Só falta mesmo uma rata, ou a chinchila, porque Canguru ou Panda aqui não cabe. Quem sabe compro aquele pássaro do Rubem Braga para cantar para nós os três? Só que gaiolas me incomodam.
Curioso, somente após observar de perto uma Chinchila é que pude sentir e entender o verdadeiro horror das pessoas que em grupo defendem a extinção da matança dos animais em prol da vaidade humana. Usem ,no caso, peles de cobra e jacarés que não são tão simpáticos ,a meu ver .Acho horrível usar jacarés ou cobras nos pés ou em bolsas. Sinto, mesmo um certo medo da pessoa quando usa estes acessórios. Façam casacos com peles de hiena e vistam se de drag queens, é mais simpático. Afinal ,proponho uma seleção :cobras, jacarés(desde que a espécie seja preservada),couro ,porque, enfim, precisamos de carne, e uns pedacinhos de raposas. Sacrifico umas poucas raposas por problemas de antipatia pessoal já que, desde pequena as detestava quando comiam as galinhas da tia Polly do Tom Sawyer. E perdoem as chinchilas. Quem sabe ratão do banhado? Vejam todas as opções que temos! E imaginem quando instalarmos chips nos nossos bichos para que possam se expressar! O que vão nos dizer? Tenho medo de escutar, sinto arrepios.
Finalmente ,senhores ,quando saí do filme querendo ser rata, percebi que ando entediada do zoológico humano ,à exceção de nossos bebês. Tenho vontade de conhecer alguém deste nosso zoo , que compartilhe de minhas opiniões, sejam certas ,sejam errôneas, alguém com quem não precise falar muito, compreensão e harmonia ,mais o Joca e mais a Marilyn. Quanto ao pássaro do Rubem Braga e a Chinchila, aceito se me fizerem presente.
Agradecendo o gentil convite e mostrando que me ocupo destas questões que lhes interessam, razão pela qual me desculpo do desabafo final, é com orgulho que aceito colaborar com a Confraria no papel de escritora como os senhores solicitaram.
Atenciosamente,Nicole Champagne.
Suzana Heemann