Chutar o balde
Amigo(a) leitor(a), sinto que necessito compartilhar minhas frustrações. Não é nada depressivo, ao contrário, é reflexivo. Ontem durante o dia todo eu tentava esconder a minha incomensurável vontade de chutar o balde, literalmente. Acordei pensando: “por que diabos tenho que fazer isso?”. Fui mais adiante: por que diabos tenho que levantar a essa hora, ler os jornais, escutar os noticiários e mentir para mim mesmo alegando estar bem informado? Por que diabos tenho que pegar o ônibus para ir até a universidade onde estudo? Por que diabos tenho que ser formado em um curso superior? Por que diabos tenho que seguir o padrão de uma sociedade ridicularizada pela sua própria história? Se você pensar no sentindo de nossas vidas chegará a uma só conclusão: não tem sentido. E não me venha com citações de filósofos, antropólogos, sociólogos, cientistas renomados, eu também sei ler, eu também os li. Posso argumentar sobre vários nomes da literatura, do campo metafísico, da filosofia subversiva. Não sou nenhum ignorante, posso me passar por um. Não me confunda com sua consciência. Não me julgue, nem me entenda. Sou diferente e não indiferente. O que mais me chateia nesse mundo corroído por atitudes pseudo-singulares são as mentes arrogantes. O ser humano é engraçado, acha que tem o poder sobre tudo e todos. Logo, se prova o contrário. A natureza fez questão de mostrar sua voz conseqüente.
Ontem eu queria ser como a natureza. Demonstrar aos demais que eu também tenho voz ativa, não sou um mero estudante universitário. Um mero aspirante ao jornalismo. Não sou como um emblema político, baseando-se em promessas de princípios ou anseios. Tenho lá meus sonhos. Alguns considero tão incoerentes que faço questão de realizá-los. Detesto esses métodos certinhos, politicamente corretos, a lei do óbvio. A obviedade pertence às nossas leis, às nossas loucuras. Às vezes uma boa imaginação vale mais que um arcaico conhecimento. A imaginação cria, o conhecimento ensina. A disparidade entre eles não pára por aí. Via mais além. Temos que usar nossos sentidos, não necessariamente a forma lógica para descobrirmos outro conceito. Ontem, a exemplo disso, eu queria trancar a faculdade, deixar a barba crescer e me mudar para Bali. Lá, sentaria em uma cadeira de madeira desconfortável e leria um romance iraniano. Adoro as escritas do oriente médio. Ensinam-te a sair dessa monótona visão de que temos, da qual a vida serve para batalhar, ser feliz. Então me diga, qual é o seu conceito de felicidade?
Eu queria era ter mais liberdade para realizar minhas loucuras. Assim eu saberia por mim mesmo o que pode ser mais dolorido, ou o que pode ser mais afável de se conquistar. Preciso de inovações. É extremamente desanimador saber que daqui a alguns anos vou ter um editor nas minhas costas dizendo sobre o que devo ou não escrever. Devo seguir as ideologias de um grupo de comunicação, mas hei! E o que faço com as minhas? Tenho que joga-las ao chão e pisa-las como se fosse panos de limpeza descartáveis? A ética não se conquista na obediência. A ética se conquista na independência. O jornalismo é apenas um modelo do meu “chutar o balde”.
Entretanto, não pense que vou deixar este ofício, que vou abandonar minha vidinha uniforme. Eu gosto do que faço. Isso comprava a minha tese de que todos somos um pouco sadomazoquistas. Mas, por exemplo, para eu reformular essa minha tese tenho que seguir o arquétipo de minha sociedade. E isso é uma decepção enorme. A forma com a qual somos organizados mais parece um formigueiro. Andamos um atrás do outro. “Quando nasci já era assim, pra quê mudar?”. “Vou fazer como os outros fazem”.
Os grandes gênios do futuro serão aqueles que irão contra a maioria. Que correrão para o lado do fogo. Que não enxergarão o logismo fajuto, restrita aos olhos de organismos animais primitivos. Penso que no fundo sou um covarde. Não fiz aquilo que me caberia fazer nos momentos delinqüentes de meus sentidos instantaneamente aguçados. Isso mesmo, sou um covarde. Talvez no futuro eu não seja um gênio, tampouco um pau-mandado. Talvez no futuro eu seja mais verdadeiro comigo mesmo.
Até lá haverá outros baldes para eu chutar. Até lá me covardarei para outros pensamentos típicos de alguém que está cansado desse governo animal. E que, no entanto, não consegue expressar as soluções de suas questões por estar compelido a viver com dúvidas. “Dá-me luz que lhe darei um sentido”. Desculpe-me, minha lanterna já está queimada.