A respeito de índios, florestas e militares
A RESPEITO DE ÍNDIOS, FLORESTAS E MILITARES
(crônica publicada no jornal "Diário Catarinense" de 23.04.2008)
Numa semana movimentada, recheada de notícias candentes - ou sensacionalistas -, alguns assuntos, talvez até mais importantes para o país, acabaram passando quase despercebidos. Foi, esta que passou, uma semana de aumento dos juros pelo Banco Central brasileiro, depois de um bom tempo de quedas continuadas nas taxas, por receio do retorno da inflação, esse velho e distante fantasma que tanto assombrou o nosso salário em tempos idos e dos quais, em sã consciência, ninguém pode ter saudades. Foi um período em que se anunciou, mais uma vez, outra fantástica reserva de petróleo sob as águas dos nossos mares, apesar de a Petrobrás não haver confirmado a descoberta, divulgação feita antes do tempo por quem não poderia fazê-lo mas que impulsionou para cima as bolsas de valores de todo o mundo, tão abaladas, recentemente, pela crise financeira em que se enredaram os Estados Unidos.
Nesta semana que passou, o Florianópolis venceu o Minas por 3 a 2 no Rio de Janeiro e sagrou-se campeão da Superliga de Vôlei, a elite nacional de um esporte em que o Brasil tem sido o melhor do mundo. Mas foi também a semana em que a melhor equipe do campeonato catarinense de futebol se viu alijada da disputa final pelo título, em dois jogos: com o melhor ataque da competição (quase três gols por partida), disparado a defesa menos vazada (menos de um gol por jogo) e, com vistosa folga, com o artilheiro do campeonato (Vandinho fez, na média, quase um gol por partida), o Avaí naufragou em casa, em um gramado pesadíssimo pela água que caiu com gosto por mais de 27 horas - empatou em um tento com o Criciúma, depois de sofrer (segundo a torcida) três pênaltis não marcados pelo árbitro, colocar três bolas na trave e ver invalidadas três jogadas em que balançou as redes adversárias.
Foi acima de tudo, porém, mais uma semana dominada pelos noticiários exaustivos e pelas reportagens bombásticas, tanto na televisão quanto nos jornais, sobre a morte de Isabella Nardoni, criança que completaria seis anos na sexta-feira que passou: com ferimentos provocados por agressões físicas e asfixiada durante três minutos, a menina foi jogada - inconsciente e ainda viva - da janela do apartamento em que moravam seu pai e a madrasta (que o "politicamente correto", agora, insiste em chamar pateticamente de "mãe do coração"). Os dois adultos são os grandes suspeitos do assassinato. Aliás, não existe até o momento qualquer outro suspeito deste crime, um apenas entre milhares de crimes praticados todas as semanas contra a infância, a começar pela falta de atenção e de escola: agredidas de todas as formas, inconscientes dos seus direitos e ainda vivas, elas vagam perdidas pelas nossas ruas.
Mas foi marcada, a semana que passou, pela declaração preocupante de um militar: o general Augusto Heleno, comandante militar da Amazônia, criticou a política indigenista do governo federal (a que serve e ao qual deve obediência sob pena de quebra de hierarquia, o pecado mais horroroso que um soldado pode cometer, segundo eles mesmos), tachando-a de "caótica" e "lamentável" em palestra proferida no Clube Militar, uma espécie de associação de lazer e ócio freqüentada por oficiais de alta patente, já na reserva, saudosos dos tempos em que conspiravam na ativa. Sua inspiração para o emprego dos adjetivos foi a demarcação pendente de terras indígenas em Roraima, em região invadida por rizicultores com suas culturas de arroz: parece que, no Brasil, índio ainda é estorvo e floresta só atrapalha o progresso, isto é, o dinheiro privado obtido às custas da exploração dos bens e do patrimônio públicos.
Militar se metendo em política ainda não inquieta, mas incomoda: democracia neles, já.
(Amilcar Neves é escritor e autor, entre outros, do livro "Da Importância de Criar Mancuspias", crônicas)