VERIDIANA
...Quebrar-se o encanto, guardado com desvêlo em caixinha de cedro, com aroma de memória? Impossível a ela admitir isso. Pergunta-se até, não com muita freqüência, pois mais que este interesse, a curiosidade, o interesse de Veridiana é preservar...Preservar a qualquer custo as memórias da glória e júbilo que sentiu quando deparou-se com a tal "certeza de felicidade". Tudo rápido, quase improvisado para a boda. A boda. Seu casamento. Veridiana encontrara, sim, alguém que a amava muito. Sentia-se alvo de cuidados, de carinhos, nunca antes experimentados. Carinhos desses, que são comuns entre pais e filhos mesmo, como a atenção, a cordialidade de pôr no rosto um sorriso ao perguntar, como você está. Ela nunca tivera esses regalos. O marido a acordava, pela manhã, só se ela pedisse, com a voz tranqüila, indagava-lhe: -"Já está bem desperta"? Tão diferente de tempos passados, quando era despertada aos gritos de "vais perder a aula"! Aquilo era bom demais...experiência única, o amor, o cuidado. Ela tinha plena noção de que o que vivia era mágico...não era a regra. Não. Pelas ironias que escutava de amigas mais velhas, casadas há mais tempo, notáva-lhes a inveja...Não acreditava no que lhe diziam. Ela tão somente vivia, aquele estado de felicidade. No exato momento, em que era tão venturosa, apercebeu-se disso e desejou manter cativa sua vivência. Hoje, anos passados, amarguras acumuladas, situações de incredulidade ímpares vividas e, tão intensas e opostas ao início...tão dolorosamente opostas. Talvez Veridiana tenha enlouquecido, não sei, apenas estou narrando o que escutei. Fato é que a personagem, não aceita deixar para trás o que outrora foi ninho de venturas e, cega a tudo, talvez ensandecida, conseguiu mudar-se, não de endereço...mudou-se para dentro da caixinha de cedro, sua caixa perfumada de memórias. Alena