LUIZ LEITÃO, POETA DE NITERÓI

A POESIA SATÍRICA DE LILI LEITÃO

Nelson Marzullo Tangerini

A poesia satírica em Língua Portuguesa não se esgotou. Ela continuou viva após Bocage, Gregório de Matos, Tomás Antônio Gonzaga [Cartas Chilenas] e Luís Gama, aquele poeta negro vendido pelo próprio pai como escravo.

Outros poetas, mesmo românticos, simbolistas ou modernistas, como Fagundes Varela, Cruz e Sousa, Oswald de Andrade e Bananére, dentro de suas escolas, escreveram poesias satíricas.

Quero falar especificamente de Luiz Antônio Gondim Leitão, “mais conhecido por Lili Leitão, boêmio, jornalista, teatrólogo, humorista, e poeta”, “nascido em Niterói, Estado do Rio de Janeiro, em 25 de janeiro de 1890” (1), amigo de outro poeta satírico, Nestor Tangerini, e sua verve humorística.

Está muito certo Alberto Valle quando diz que Lili Leitão é o maior poeta satírico fluminense.

Há que se fazer, no Brasil, ou em Portugal, um sério estudo sobre a poesia satírica em Língua Portuguesa, desde as cantigas satíricas, de escárnio e maldizer - “os primeiros textos escritos em galego-português foram poesias”(2) -, surgida nos séculos XI e XII, passando pelo neoclássico português Bocage e o barroco baiano Gregório de Matos, até desembocar em Lili Leitão e Nestor Tangerini, essencialmente satíricos.

Satirizando a si próprio (soneto Uma tragédia), Lili satiriza, também, o funcionário público (sonetos O Ponto ou O Lápis), o meio em que vive, criticando os costumes, a hipocrisia, o preconceito, a decadência da sociedade (Noivado Caro) de seu tempo e o adultério - ou o mal comportamento das damas (Desilusão, Marido exemplar, 9o. Mandamento e No escuro).

Aproximo-o, por isso, dos cantadores de escárnio medievais, indiretos em seus versos satíricos.

Isso o difere de seu amigo Nestor Tangerini, meu pai, paulista-fluminense, mais identificado com as cantigas de maldizer, com suas sátiras diretas e duras críticas ao adultério, ao amor interesseiro e o uso de palavras carregadas de erotismo e duplo sentido.

Nestor Tangerini, leitor de Bocage e Gregório, e Lili Leitão, sonetistas satíricos, seguidores, porém, da escola parnasiana de Alberto de Oliveira, Raimundo Correa e Olavo Bilac, eram, sem dúvida, a linha de frente do famoso Café Paris; os outros poetas, porém, também fluentes e tão nobres quanto eles, seguiam a escola parnasiana simplesmente - ou simbolista de formato parnasiano -, como René Medeiros, Mazzini Rubano, Apollo Martins, Oscar Mangeon, Olavo Bastos, Varon, Gomes Filho ou Luiz de Gonzaga.

Niterói concentrou um núcleo de poetas pouco interessados na Escola Modernista, que abolia a rima e a métrica. Por isso, a poesia de Luiz Leitão e de outros poetas do Café Paris deveria ser estudada com detalhes, uma vez que, aqui, houve uma resistência ao Modernismo de Mário e Oswald de Andrade.

Poderíamos estudar esses “rapazes” e incluí-los nas Antologias Nacionais. Eles podem ser chamados de Neoparnasianos ou o seguimento satírico do sério e sisudo Parnasianismo. Ou ainda como uma transição entre o Parnasianismo e o Modernismo, uma vez que o conteúdo de alguns sonetos de Lili Leitão e Tangerini têm evidentes semelhanças com a verve satírica do Modernismo de 1922.

Muita coisa, enfim, pode ser feita. Um trabalho pode ser desenvolvido pelos jovens estudantes de Literatura, como o diálogo entre duas pessoas ou consigo mesmo dentro de um soneto.

O Café Paris foi o maior movimento literário do Estado do Rio de Janeiro, e ainda não mereceu um estudo acurado. Kleber de Sá Carvalho, Lyad de Almeida, Luiz Antônio Pimentel, Wanderlino Teixeira Leite Neto, Luiz Augusto Erthal, Sandro Pereira Rebel e Alberto Vale, entre outros abnegados, vêm tentando nos fazer crer, através de jornais fluminenses, o quanto é importante rever esses textos.

Ressalto, aqui, a importância de Carlinhos Mônaco, que, como eu, guardou textos e manuscritos do saudoso e legendário Café Paris. Carlinhos tem me incentivado a prosseguir nesta viagem através do tempo, em busca da História Literária de Niterói e de nosso Estado do Rio de Janeiro: a nossa identidade.

Lili Leitão, que faleceu em Niterói em 15 de julho de 1936, é uma lenda viva em Niterói. Seu livro de sonetos Vida Apertada, de 1926, livro de cabeceira de meu saudoso pai, circula ainda entre alguns fãs, intelectuais e estudiosos de sua obra ou do Café Paris.

Conversando, um dia desses, com Carlinhos Mônaco, segredei-lhe que gostaria de relançar Vida Apertada com um estudo mais aprofundado. Sempre gentil, Carlinhos me pede que converse Roberto Kahlmeyer Mertens, pois o professor também havia pensado a mesma coisa.

Conversamos – Roberto e eu – e o pesquisador me sugeriu que me juntasse a ele nesta empreitada, pedindo-me um texto para o relançamento de Vida Apertada, que é dedicado aos amigos “parisienses”.

Através deste texto, pouco elaborado e sofisticado, expresso todo o meu carinho e o carinho de meu pai pelo grande poeta Luiz Leitão.

É uma honra, para mim, estar neste livro de Lili Leitão, amigo de meu pai e um dos maiores nomes da poesia satírica em Língua Portuguesa.

(1) Lili Leitão, o poeta de Niterói, Vale, Alberto Editora Icaraí, Niterói, RJ, 1988.

(2) Literatura Portuguesa da Idade Média a Fernando Pessoa, De Nicola, José, Editora Scipione, 3a. Edição, São Paulo, SP, 1993.

Nelson Marzullo Tangerini, 52 anos, é escritor, jornalista, poeta, fotógrafo, compositor e professor de Língua Portuguesa e Literatura. Imortal, Acadêmico, é membro do Clube dos Escritores Piracicaba [ clube.escritores@uol.com.br ], onde ocupa a Cadeira 073 Nestor Tangerini.

n.tangerini@uol.com.br, tangerini@oi.com.br, nmtangerini@yahoo.com.br

Nelson Marzullo Tangerini
Enviado por Nelson Marzullo Tangerini em 22/04/2008
Código do texto: T957138