Você é justo? Justo
- Justo, justinho, dizia Justino, ninguém é. Nem ninguém foi. Todo homem tem pelo menos um pecado, todo sonho de seu mistério, que aí devaneia.
Aí buscava Berta, quinta esposa do lar. Para Berta Justino era uma espécie de palavras cruzadas que completava floral, desvendando o breve enigma da sua voz. Simpatia composta da mais viva satisfação. Simplicidade além de outras culinárias da abstração. Enleio das televisões diárias, conjugadas na mesma casa, no subúrbio azul, estável.
Naquele dia, quando a terra tremeu e as estrelas cambalearam na abóbada celeste, pavoroso foi todo movimento rogando imobilidade. O sertão virando mar e o mar virando sertão, num repente. Muita barriga de homem rude tremendo no próprio ventre. Tudo voltaria ao normal em poucos minutos.
Justino sentou diante do copo d água olhando Berta com estranha ternura e disse:
- Crê na salvação e caminha. A salvação murmurou Justino, é o maior capítulo da filosofia humana. Pudera. Todos os maiores antes de nós que acudam se a terra treme abrindo o corpo colossal. Somos um grão de areia perdido no infinito. Uma casca de alho. Berta imóvel na cadeira de balanço comentou.
– Tem o espelho do injusto. Depois você é amado. Você ama. Você livra. Você concede poema. Você canta. Você gosta de azul, vermelho, amarelo e canarinho. Você gosta de samba. Você come rapadura. Você é a igualdade de não ferir o próximo. Você concede moda aos ditos populares: “Minhas expressões baratas gostam de uísque”. (Dito popular de Justino). E o perdão está posto. Resposta: O amor é que é direito. Dezessete casas e todas estão de pé. Mirou o povoado sem resignação.
Em seguida brotaram recordações das primeiras danças no começo do casamento. Toca-discos na manhã de sábado e café preto. A mesa de madeira. A cadeira de palha. O catre. O fogão. O cheiro da lenha e a pergunta incidindo em quem ama: Você é justo?
- Fiel. Justino endurecia a mirada. A bondade vem de dentro. Não fui eu quem fez tremer a terra.
Teve naquele exato instante grande vontade de ficar perdido no tempo. Sem nenhum medo diante do mundo. Bater palmas olhando as estrelas dizendo: “paz ao mundo!”. Um minuto esquisito e novo. Palmas com discrição para não acordar o gigante bom, todavia gigantesco, morador do além, aquém do infinito avisando: cuidado, mas não ouvimos. Espaçados.
Berta repetia a loucura ritual de Justino, interrompendo: É adequado. Palmas e “Paz ao mundo!” Mexendo os ombros. Estava feliz novamente. Constatou: eleva. Acalma. Batendo palminhas. Entreolhando o alto atrás de estrelas no forro. Paz ao mundo! Afirmou: Tem musicalidade. Seguiu batucando na concha da mão com olhos de mar. A alma granjeava invólucro de lâmpada mágica. O momento especial na melhor forma de alcançar o mundo justo.