Meu louro


       Dando a esta crônica este simplório título, não pretendo, a partir dele, ou em cima dele, contar a história de um jovem aloirado que, ao se apaixonar por uma bela pretinha, contrariou seus pais, interessados em vê-lo na cama com uma irlandesa.
          Embora, hoje se veja com naturalidade a união entre pessoas de tez de diferente matiz, uma crônica abordando esse tema ainda pode suscitar intermináveis controvérsias.

      Aqui, portanto, não tratarei desse assunto. 
        Esta crônica pretende homenagear o papagaio Venâncio que, ali pelos anos 40, do século passado, morou comigo, e eu o chamava, carinhosamente, de "meu louro".

      No alpendre da minha casa sertaneja, lá nos canfundós do Ceará, nunca deixei de ter um e até dois papagaios.  Devo, porém, dizer, que jamais comprei um só papagaio. Ganhava-os de meus compadres, matutos honestos, que moravam nas roças plantadas em distantes pés-de-serra.

      Os papagaios chegavam no meu alpendre  parolando o que deviam e o que não deviam. Eu tinha, então, a árdua missão de educá-los. 
      Tirar da ponta de suas línguas os "nomes feios" que tanto poderiam incomodar minhas visitas, como insultar meus visinhos, cujas casas eram separadas da minha por frágeis cercas de arame farpado!

      Ave talentosa, Venâncio foi o último papagaio que possui, antes de deixar o sertão alencarino. 
        Todas as manhãs, saudava-o com um sonoro "alooô, meu loro!"  E ele, agradecendo a cortesia, batia suas asinhas verde-amerelo, ensaiando uma coreografia de surpreendente beleza.

      Pela internet, estou sabendo que um papagaio africano, de cor cinza (de cor cinza?), está roubando o sono das autoridades da Nova Zelândia.
         A ave, que pertence a um milionário russo, permanece a bordo do luxuoso iate do seu apatacado dono, sob rigorosa quarentena. 
         Desconfiam as autoridades sanitárias neozelandesas, que o papagaio do ricaço está com a tal gripe aviária.

      Não sei nada sobre os papagaios cinzas, nascidos nas entranhas das florestas da encantadora África.
      Acredito, porém, que, devidamente estudados, não devam ser tão diferentes dos lourinhos que povoam e alegram as matas do Nordeste brasileiro, onde nasci e me criei.

      Me lembrando do Venâncio, que morreu de velho, mas muito feliz, rezo para que o papagaio africano, inspirador desta modesta página, não esteja gripado. 
      Que tudo não passe de um susto...
Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 07/01/2006
Reeditado em 01/03/2008
Código do texto: T95641