Ana
Levei muitos anos até compreender de verdade o que a Ana dizia. Era professora de português, mas não era como as outras que eu já tive. Ela, vez por outra falava de gramática, de análise morfológica e sintática, mas falava mesmo era de interpretação de textos. Trazia textos maravilhosos para lermos em sala de aula, líamos em voz alta e a cada parágrafo ela parava para discutirmos de onde o autor tinha tirado aquela idéia. Falava das circunstâncias em que vivera o autor e como as coisas se passaram. Traçava um comparativo com o nosso dia-a-dia, nossos problemas e nossos sonhos.
E quando trazia letras de músicas, então? Eu me admirava como eu não tinha visto nada daquilo, que estava ali explícito, verso após verso.
Em casa, ouvindo outra música, tentava fazer a mesma coisa que foi feita na aula, e muitas vezes me irritava por não conseguir ver nada daquilo que parecia tão claro quando Ana explicava. E ela nem falava muito, perguntava mais que falava, mas a cada pergunta dela era como se fosse uma luz que se acendia.
Um dia ela nos levou a um teatro. A peça era “Quando as máquinas param” de Plínio Marcos. E assim assisti pela primeira vez na vida, uma peça de teatro.
Era um casal comum que discutia o tempo todo, um monte de palavrão e nenhuma máquina. No dia seguinte, na sala de aula, eu pude compreender que cada um de nós somos tratados meramente como uma máquina e que não podemos parar. É assim dentro da sociedade industrial e capitalista, e somente tomando consciência desta realidade nos permitirá reagir e agir em vez de simplesmente funcionar. Ana foi a minha professora por um ano letivo apenas, mas até hoje, muitos anos depois, continuo aprendendo com o que a Ana dizia.
Itabuna (BA), Setembro/2006.